São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pelo Brasil que Tiradentes sonhou

ROBERTO LIVIANU


O aniversário da morte de Tiradentes pode ser um bom momento para parar e pensar no Brasil que temos e naquele que sonhamos


HÁ 218 ANOS , era enforcado um dos maiores heróis da nossa história. Morto por amar o Brasil acima de tudo e por pensar no coletivo acima de tudo. Celebrar o aniversário da morte de Tiradentes pode ser um bom momento para parar e pensar no Brasil que temos, naquele que sonhamos e em como intervir para tornar o sonho realidade.
É sabido que, quando Tiradentes liderou a Inconfidência Mineira, sonhava com um país livre da exploração econômica e da corrupção.
Seu sangue foi derramado em praça pública para reafirmar o poder da metrópole, mas acabou alavancando o movimento pela independência, que viria 30 anos depois. Na verdade, estava ali semeada a república, que seria proclamada um século adiante.
Avançando no tempo, há 50 anos era fundada Brasília, cujo nascimento simbolizou um novo Brasil, rico, pujante e desenvolvido, com dimensões continentais e contrastes socioeconômicos oceânicos, que nos separam dos patamares desejáveis de dignidade e cidadania para todos.
Mas nossa capital tem sido palco de um triste espetáculo de corrupção nacional, que pela primeira vez na nossa história levou à prisão, ainda que por dois meses apenas, um governador de Estado em pleno exercício de seu mandato. O que a prisão de Arruda significou? Essa prisão tem algo a ver com a morte de Tiradentes?
A retirada do poder de Arruda sem derramar uma gota de sangue sequer e também sua prisão são sinais claros de maturidade democrática.
Elas representam um marco da nossa história, ainda mais se nos lembrarmos de que, na época de Tiradentes, o Brasil já colecionava quase 300 anos de corrupção conhecida, já que nosso patrimonialismo estratificou e conservou entre nós a cultura da corrupção, totalmente capilarizada e presente no nosso dia a dia.
Isso nos faz sentir que Tiradentes não morreu em vão e nos relembra de que, nas últimas décadas, os donos do poder começaram a ser alcançados pela Justiça.
Porém, só se tocou a ponta do iceberg da corrupção no Brasil. Há mensalões e mensalinhos investigados pelo Ministério Público nos lugares em que o Poder Executivo é exercido de forma hipertrofiada, cooptando os membros do Legislativo.
Nossa corrupção hoje está mais visível, e isso é vital para que o tema se torne mais relevante para cada um de nós. Precisamos pensar nisso individualmente, em família, na rua, com os vizinhos, no trabalho, levar para a escola, para a universidade...
Mas seria possível extingui-la?
Não! Sua extinção é um mito, como o é a extinção das desigualdades entre as pessoas. A corrupção pode e deve ser controlada, com vontade política, planejamento estratégico e envolvimento do setor privado para defender a ética na atividade empresarial.
Não por acaso, países que investem maciçamente em educação têm menos corrupção. Precisamos educar nossas próximas gerações para a cidadania, inoculando o humanismo coletivo e solidário como valores essenciais à coexistência humana, hoje marcada pelo individualismo materialista instantâneo.
A luz solar é o melhor desinfetante. No Brasil, a publicidade é princípio constitucional! Vamos radicalizá-lo, adotando a transparência total para permitir que instituições e pessoas possam controlar melhor a esfera pública. Informação é poder!
Que tal instituir a cultura da integração de informação, cruzando com inteligência informações das bases de dados de todos os órgãos de todas as esferas de poder?
Aprovemos a reforma política! Vamos banir o nepotismo e diminuir o número de cargos de confiança. Vamos punir sem medo e com efetividade os corruptos!
E aplicar com força total a Lei de Improbidade Administrativa para todos, em todos os escalões.
Vamos abolir o foro privilegiado, pois privilégio não combina com igualdade perante a lei, muito menos com a democracia. Vamos fortalecer o Ministério Público, principal instituição de defesa do patrimônio público em nosso país. Sem mordaça! Com responsabilidade.
Mostremos os dados do escândalo, e, com o mesmo destaque, o que aconteceu depois: a investigação, o processo e a punição. Vamos nos unir por um Brasil menos injusto, mais solidário e menos desigual. Além da Copa do Mundo, esse é um belo motivo para sentir dentro do peito a batida dos nossos corações brasileiros!


ROBERTO LIVIANU, 41, promotor de Justiça, doutor em direito pela USP, é diretor do Movimento do Ministério Público Democrático e autor de "Corrupção e Direito Penal -Um Diagnóstico da Corrupção no Brasil".

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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