São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

A bola no exílio

SÃO PAULO - Numa Copa até agora nivelada tecnicamente por baixo e na qual há um único jogador que trafega na pista da genialidade -o argentino Lionel Messi-, o dunguismo avança firme e forte, desafiando seus críticos, entre os quais este escriba intrometido.
Que soem todas as vuvuzelas para Luís Fabiano, o fabuloso, pois um gol assim é coisa muito rara de se ver. Dois chapéus desconcertantes, um longo e outro curto, mais duas matadas no braço, uma embaixo e outra em cima, duas vezes genial e duplamente ilegal, este gol deveria também valer por dois.
O erro do juiz, que deu a impressão de ter feito vista grossa no lance, foi uma homenagem (involuntária?) ao futebol, o mais injusto de todos os jogos.
Descontado isso, os marfinenses, desleais em vários momentos da partida, acabaram sendo beneficiados pela complacência do juiz. A expulsão de Kaká, mesmo que imerecida, ou pelo menos controversa, não deixa de ser um sintoma da dunguização da seleção. O suposto cérebro do time convertido em brigão é um sinal dos tempos.
Outro sinal da época atual foi a confraternização calorosa entre os atletas das duas seleções ao final da partida, como se as cenas de guerra que protagonizavam minutos antes não passassem de teatro. Foi como se as identidades nacionais se dissolvessem com o apito do juiz, depois do qual todos recobraram instantaneamente a condição de astros globais e velhos conhecidos dos palcos do futebol europeu.
A Copa, ao mesmo tempo em que galvaniza -como nunca antes neste planeta- todas as atenções, convertendo-se de fato em festa global, tornou-se um evento um tanto anacrônico. A disputa entre países, o jogo por amor à pátria hoje se trava entre atletas precocemente desterrados. Vestir a camisa amarela, cantar o hino, sentir o Brasil no peito tem um certo sabor de "Canção do Exílio". Embora, na vida real, as coisas estejam muito mais para a "Iracema" de Chico Buarque.


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