São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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FERNANDO RODRIGUES

Anacronismo surreal

BRASÍLIA - A disputa política deste ano está explicitando de forma inédita o anacronismo da lei eleitoral brasileira. No primeiro semestre já houve a curiosa fase de pré-campanha. Candidatos fingiam ser apenas "pré-candidatos".
Agora, outros aspectos demonstram a caduquice da lei. Um deles é a obrigatoriedade de registrar as "propostas defendidas pelo candidato a prefeito, a governador de Estado e a presidente da República". Essas plataformas têm de ser apresentadas no ato do registro da candidatura. Trata-se de uma impossibilidade prática legal e real.
Como pode um político que ainda não é candidato redigir um programa de governo se ainda não tem autorização legal para se comportar como candidato? Se não fizer nada, ficará impossibilitado de cumprir a exigência legal para se habilitar a disputar a eleição. Como ninguém pode fazer atos de campanha antes do registro, supõe-se que hoje dezenas de candidatos a governador e a presidente estejam, em segredo, fazendo essas suas plataformas.
Pior ainda. Todos esses programas de governo serão peças de ficção. Um amontoado de textos formulados só para atender a uma formalidade kafkiana legal.
Não deixa de ser revelador da alma do país a existência de uma lei exigindo dos políticos o registro formal de suas propostas. Em qualquer sociedade madura, os cidadãos ouvem os candidatos, fazem um julgamento e votam. Ou alguém acredita que uma plataforma de governo impressa seja garantia de alguma coisa? Aliás, nas últimas eleições os candidatos sempre publicam seus programas de governo. Os vencedores descumprem as promessas de forma sistemática.
Pré-campanha de mentira, programas de governo fictícios, proibição de se declarar candidato a qualquer tempo e época são restrições surreais. Mas, pensando bem, compatíveis com o atual estágio da democracia brasileira.

fernando.rodrigues@grupofolha.com.br


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