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CARLOS HEITOR CONY
Quando o pior acontece
RIO DE JANEIRO - Aos 9 anos, fui com o padrinho ao circo. Fiquei horrorizado com um equilibrista que, do
ponto mais alto do picadeiro, tirava e
botava a roupa tendo como base de
sustentação um livro sobre uma bola.
Tantas o cara fez que desisti de olhar,
pois não queria ser testemunha de
uma tragédia.
O padrinho achou graça do meu
pânico, o sujeito estava lá porque
queria, cavalo na chuva é pra se molhar mesmo. Desde aquele dia, deixei
de sofrer com certo tipo de tragédia, o
alpinista que escala o Everest e fica
preso numa avalanche de gelo. O que
o camarada foi fazer lá? Por que não
ficou em casa, lendo um livro, resolvendo problemas de palavras cruzadas, coisas assim?
Alphonse Daudet, na sua obra-prima "Tartarin de Tarrascon", transcreve o diálogo interior entre Tartarin/ Quixote e Tartarin/Sancho. Tartarin/Quixote quer partir para caçar
leões na África, Tartarin/Sancho
quer ficar em casa, tomando seu chá
com torradas.
Tartarin/Quixote reprova sua outra metade e grita: "Tartarin, cobre-te de glória!". Tartarin/Sancho responde: "Tartarin, cobre-te de flanela!". E aperta a campainha para a
empregada trazer-lhe o chá e o pijama.
Lembro isso tudo por causa do submarino russo que sepultou sua tripulação. Evidente que o caso me emocionou, torci para que tudo desse certo e, se a tragédia se consumou, não
foi por minha culpa nem por falta de
torcida minha.
Mas que diabo, por mais que sejam
importantes e necessários os submarinos, jamais me meteria num deles.
Saber que estou rodeado de água por
todos os lados, não sendo eu uma
ilha, é dose que não provaria nem para tirar o pai da forca.
Lamentei como todo mundo a tragédia. Se dependesse de mim, teria
salvado a tripulação. Mas quem se
mete num troço daqueles sabe que
pode acontecer o pior.
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