São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Quando o pior acontece

RIO DE JANEIRO - Aos 9 anos, fui com o padrinho ao circo. Fiquei horrorizado com um equilibrista que, do ponto mais alto do picadeiro, tirava e botava a roupa tendo como base de sustentação um livro sobre uma bola. Tantas o cara fez que desisti de olhar, pois não queria ser testemunha de uma tragédia.
O padrinho achou graça do meu pânico, o sujeito estava lá porque queria, cavalo na chuva é pra se molhar mesmo. Desde aquele dia, deixei de sofrer com certo tipo de tragédia, o alpinista que escala o Everest e fica preso numa avalanche de gelo. O que o camarada foi fazer lá? Por que não ficou em casa, lendo um livro, resolvendo problemas de palavras cruzadas, coisas assim?
Alphonse Daudet, na sua obra-prima "Tartarin de Tarrascon", transcreve o diálogo interior entre Tartarin/ Quixote e Tartarin/Sancho. Tartarin/Quixote quer partir para caçar leões na África, Tartarin/Sancho quer ficar em casa, tomando seu chá com torradas.
Tartarin/Quixote reprova sua outra metade e grita: "Tartarin, cobre-te de glória!". Tartarin/Sancho responde: "Tartarin, cobre-te de flanela!". E aperta a campainha para a empregada trazer-lhe o chá e o pijama.
Lembro isso tudo por causa do submarino russo que sepultou sua tripulação. Evidente que o caso me emocionou, torci para que tudo desse certo e, se a tragédia se consumou, não foi por minha culpa nem por falta de torcida minha.
Mas que diabo, por mais que sejam importantes e necessários os submarinos, jamais me meteria num deles. Saber que estou rodeado de água por todos os lados, não sendo eu uma ilha, é dose que não provaria nem para tirar o pai da forca.
Lamentei como todo mundo a tragédia. Se dependesse de mim, teria salvado a tripulação. Mas quem se mete num troço daqueles sabe que pode acontecer o pior.


Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: A Nike e o tendão-de-aquiles
Próximo Texto: Boris Fausto: Heróis e memória
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.