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POLÍTICA NA MARRA
A cada dois anos, o brasileiro
vai às urnas para escolher seus
governantes e legisladores. É a normalidade democrática pela qual o
país tanto lutou. A repetição do ritual
do voto, contudo, encerra dialeticamente o perigo de a democracia tornar-se apática, de o eleitor desinteressar-se do processo.
Para evitar esse risco, criaram-se
mecanismos como o voto obrigatório e o horário eleitoral gratuito, que
buscam reforçar a participação popular. Os resultados não são exatamente brilhantes: pesquisa Datafolha mostra que 38% não têm nenhum interesse no horário gratuito
dos candidatos à Presidência.
Esforços para incentivar o interesse
do cidadão pelas eleições são bem-vindos. O problema do voto compulsório e da propaganda gratuita em
rede nacional (que retira das pessoas
a possibilidade de escolher assistir a
um outro programa) é conceitual.
São iniciativas que procuram afirmar
direitos -o direito de voto, o direito
à informação-, mas transformam
prerrogativas em obrigações.
Há aí uma inconsistência. A ambiguidade de direitos que são também
deveres encontra seu limite na noção
de liberdade. É o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) quem estabelece a distinção fundamental. Há
dois modos de cumprir um "dever".
Quando o motorista respeita o limite
de velocidade por medo de receber
uma multa, ele age "de acordo com o
dever". Mas o condutor pode também acatar a norma por acreditar
que ela está de acordo com a racionalidade humana, que proporciona segurança, por exemplo. Nesse caso,
ele age "pelo sentido do dever".
Esse motorista consciencioso é,
para Kant, mais livre do que aquele
que só teme a multa. A obrigatoriedade do voto ou de assistir à propaganda de algum modo retira liberdade do eleitor. Paradoxalmente, essas
medidas, que visam a reforçar a democracia, a tornam, pelo menos no
plano conceitual, menos livre e, portanto, menos democrática.
Restaurar a liberdade passa pela
adoção do voto facultativo e pela dispersão do horário eleitoral na grade
das emissoras, de modo que o telespectador possa escolher o que deseja
assistir. Não há nada mais antipolítico do que a política na marra.
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