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CLÓVIS ROSSI
De crises e culpas
MONTEVIDÉU - Num dos telejornais uruguaios da noite de segunda- feira,
uma nutricionista se veste de Polyana para dizer que a crise tem lá o seu
lado bom: como diminuiu o consumo
de carnes vermelhas, os uruguaios estariam consumindo alimentos mais
saudáveis.
O "polyanismo" só tem um problema: nem todos os uruguaios estão comendo, como demonstrou o mesmo
telejornal. Em Rivera, a cidade separada da gaúcha Santana do Livramento apenas por uma rua, a prefeitura anunciou o "sopão" para alimentar os pobres. Seis mil pessoas se
inscreveram de saída.
É a essa indigência que está reduzido também o Uruguai, que já foi chamado de "Suíça latino-americana"
devido à estabilidade política, ao alto
nível cultural de sua gente e à prosperidade econômica e relativa igualdade social.
A "Suíça" começou a virar América
Latina nos anos 70, quando se instalou mais uma das ditaduras que
mancharam o mapa do subcontinente. Curioso é que os liberais de plantão, salvo limitadíssimas exceções, cá
como no Brasil, nunca ergueram a
voz para protestar, embora a ditadura tenha provocado a mais violenta
invasão do Estado na vida do indivíduo (matou, torturou, exilou, fez desaparecer).
Para os liberais latino-americanos,
o que o Estado não pode fazer é invadir a esfera econômica. Já as liberdades individuais, elas que se lixem.
A nova crise (já são quatro anos de
recessão) não é culpa do liberalismo.
O Uruguai caiu como dominó da crise argentina numa ponta e da desvalorização do real na outra.
De todo modo, dá o que pensar o fato de que, tanto no Uruguai como na
Argentina, o modelo dito neoliberal
foi incapaz de evitar crises que, de
um lado e do outro do rio da Prata,
são consideradas as mais graves das
respectivas histórias.
Todo o mal de que o populismo é
acusado de ter causado acabou ficando pequeno. Não, não estou defendendo o populismo. Mas colocar um
pouco de perspectiva é sempre bom,
além de mais honesto.
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