São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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CLÓVIS ROSSI

De crises e culpas

MONTEVIDÉU - Num dos telejornais uruguaios da noite de segunda- feira, uma nutricionista se veste de Polyana para dizer que a crise tem lá o seu lado bom: como diminuiu o consumo de carnes vermelhas, os uruguaios estariam consumindo alimentos mais saudáveis.
O "polyanismo" só tem um problema: nem todos os uruguaios estão comendo, como demonstrou o mesmo telejornal. Em Rivera, a cidade separada da gaúcha Santana do Livramento apenas por uma rua, a prefeitura anunciou o "sopão" para alimentar os pobres. Seis mil pessoas se inscreveram de saída.
É a essa indigência que está reduzido também o Uruguai, que já foi chamado de "Suíça latino-americana" devido à estabilidade política, ao alto nível cultural de sua gente e à prosperidade econômica e relativa igualdade social.
A "Suíça" começou a virar América Latina nos anos 70, quando se instalou mais uma das ditaduras que mancharam o mapa do subcontinente. Curioso é que os liberais de plantão, salvo limitadíssimas exceções, cá como no Brasil, nunca ergueram a voz para protestar, embora a ditadura tenha provocado a mais violenta invasão do Estado na vida do indivíduo (matou, torturou, exilou, fez desaparecer).
Para os liberais latino-americanos, o que o Estado não pode fazer é invadir a esfera econômica. Já as liberdades individuais, elas que se lixem.
A nova crise (já são quatro anos de recessão) não é culpa do liberalismo. O Uruguai caiu como dominó da crise argentina numa ponta e da desvalorização do real na outra.
De todo modo, dá o que pensar o fato de que, tanto no Uruguai como na Argentina, o modelo dito neoliberal foi incapaz de evitar crises que, de um lado e do outro do rio da Prata, são consideradas as mais graves das respectivas histórias.
Todo o mal de que o populismo é acusado de ter causado acabou ficando pequeno. Não, não estou defendendo o populismo. Mas colocar um pouco de perspectiva é sempre bom, além de mais honesto.


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