São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 2006

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Os dois Rio Branco na nossa diplomacia

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Estamos na iminência de nova crise com a Bolívia. No passado, enfrentamos agressões de outros caudilhos semelhantes

APÓS QUASE um século de relações amistosas com nossos vizinhos, estamos na iminência de nova crise com a Bolívia, por causa da politica arrogante e desrespeitosa de Evo Morales. Ele já demonstrou que não respeita tratados e nos agrediu com a ocupação militar das refinarias da Petrobras, expulsando do país uma empresa industrial brasileira, e segue com ameaças aos nossos interesses pactuados em livres acordos internacionais.
No passado, enfrentamos agressões de outros caudilhos semelhantes -Rosas, Oribe, Aguirre, Solano Lopes-, e tivemos na figura dos dois Rio Branco, pai e filho, a diplomacia à altura da defesa vitoriosa de nossos direitos e interesses. Agora, esperamos que a nossa diplomacia se mostre tão capaz. Vamos recordar esse passado.
A diplomacia brasileira, nos momentos mais críticos de consolidação de nossa soberania e de nossas fronteiras, no auge de cruentas disputas com nossos vizinhos, contou com o privilégio de possuir dois estadistas de excepcional competência na defesa dos interesses nacionais: o visconde e o barão do Rio Branco, pai e filho.
O primeiro, além de grande projeção política no império -foi deputado, senador, ministro de quatro pastas (Relações Exteriores, Marinha, Guerra e Fazenda) e primeiro ministro-, teve extraordinária atuação em difíceis missões diplomáticas.
A questão do Prata, nascida nas rivalidades territoriais entre Portugal e Espanha e herdadas pelo império, constituíram o maior problema internacional do governo imperial. Na época, o direito de livre navegação do Brasil no Prata e seus afluentes era vital para o acesso às regiões mediterrâneas, principalmente para a província de Mato Grosso. Esse direito, apesar dos tratados firmados, era constantemente contestado pelos caudilhos que dominaram a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.
As dificuldades com o governo de Buenos Aires e Montevidéu, situados na porta de entrada do Prata, atingiram o auge de gravidade quando o ditador Rosas -que por cerca de 20 anos governou a Argentina-, nos últimos anos de seu governo, se aliou ao caudilho uruguaio Oribe, visando incorporar o Uruguai, de cuja independência o Brasil e a Argentina eram países garantes.
As tropelias e invasões da fronteira do Rio Grande do Sul e o roubo de gado de estancieiros gaúchos (mais de 800 mil cabeças, segundo estatística da época) por bandos armados ligados a Oribe criaram uma situação insustentável pro império. Caxias, aliado a Urquiza, presidente da província de Entre Rios, comandou a invasão da Argentina. Buenos Aires foi ocupada, e o presidente Rosas, deposto.
Mas não acabaram aí as nossas dificuldades do Prata. Outro caudilho uruguaio que foi presidente, Atanásio Aguirre, apoiado pelo ditador paraguaio Solano Lopes, voltou a incentivar a invasão da fronteira gaúcha. Repetiram-se os atos de agressão aos estancieiros e o roubo de gado. A cidade de Jaguarão chegou a ser ocupada pelos bandos armados de Aguirre.
O império autorizou a nossa força de fronteira a invadir o território uruguaio em perseguição aos agressores. Isso serviu para Solano Lopes, sob o pretexto de apoiar seu aliado Aguirre, invadir a nossa desguarnecida província de Mato Grosso e a Província Argentina de Corrientes.
Aí começou a Guerra da Tríplice Aliança -Brasil, Argentina e Uruguai-, que ensangüentou a região por quase cinco anos e terminou com a morte de Solano Lopes e o completo esgotamento da nação guarani.
Apresentamos esse resumo da questão platina para recordar o quadro extenuante das crises em que atuaram vitoriosamente, como representantes da diplomacia do Brasil, o visconde e o barão do Rio Branco, cada um na sua época, negociando com nossos aliados e obtendo suas participações ao nosso lado nas duas guerras pelas quais fomos obrigados a repelir as agressões sofridas -contra Rosas e contra Solano Lopes. Terminada a luta no Paraguai, o visconde foi incumbido, como ministro plenipotenciário em Assunção, de organizar a nação guarani e negociar com nossos aliados os problemas do pós-guerra. 40 anos depois, seu filho -o barão- assumiu o Ministério de Relações Exteriores. Encontrou o Brasil mergulhado em quatro prolongadas e acaloradas questões de litígio fronteiriço: Uruguai, Bolívia, Venezuela e Peru. Antes, como ministro plenipotenciário, havia se destacado na solução de litígios com a França e a Argentina. Com sua inigualável capacidade diplomática, a todas resolveu, defendendo com sucesso o nosso direito, sem guerra e de maneira amigável.
Eis o contexto histórico da missão, hoje, de nosso Itamarati.


CARLOS DE MEIRA MATTOS, 93, doutor em ciência política e general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.

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