|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Os dois Rio Branco na nossa diplomacia
CARLOS DE MEIRA MATTOS
Estamos na iminência de nova crise com a Bolívia. No passado, enfrentamos agressões de outros caudilhos semelhantes
APÓS QUASE um século de relações amistosas com nossos vizinhos, estamos na iminência
de nova crise com a Bolívia, por causa
da politica arrogante e desrespeitosa
de Evo Morales. Ele já demonstrou
que não respeita tratados e nos agrediu com a ocupação militar das refinarias da Petrobras, expulsando do
país uma empresa industrial brasileira, e segue com ameaças aos nossos
interesses pactuados em livres acordos internacionais.
No passado, enfrentamos agressões
de outros caudilhos semelhantes
-Rosas, Oribe, Aguirre, Solano Lopes-, e tivemos na figura dos dois Rio
Branco, pai e filho, a diplomacia à altura da defesa vitoriosa de nossos direitos e interesses. Agora, esperamos
que a nossa diplomacia se mostre tão
capaz. Vamos recordar esse passado.
A diplomacia brasileira, nos momentos mais críticos de consolidação
de nossa soberania e de nossas fronteiras, no auge de cruentas disputas
com nossos vizinhos, contou com o
privilégio de possuir dois estadistas
de excepcional competência na defesa dos interesses nacionais: o visconde e o barão do Rio Branco, pai e filho.
O primeiro, além de grande projeção política no império -foi deputado, senador, ministro de quatro pastas (Relações Exteriores, Marinha,
Guerra e Fazenda) e primeiro ministro-, teve extraordinária atuação em
difíceis missões diplomáticas.
A questão do Prata, nascida nas rivalidades territoriais entre Portugal e
Espanha e herdadas pelo império,
constituíram o maior problema internacional do governo imperial.
Na época, o direito de livre navegação do Brasil no Prata e seus afluentes
era vital para o acesso às regiões mediterrâneas, principalmente para a
província de Mato Grosso. Esse direito, apesar dos tratados firmados, era
constantemente contestado pelos
caudilhos que dominaram a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.
As dificuldades com o governo de
Buenos Aires e Montevidéu, situados
na porta de entrada do Prata, atingiram o auge de gravidade quando o ditador Rosas -que por cerca de 20
anos governou a Argentina-, nos últimos anos de seu governo, se aliou ao
caudilho uruguaio Oribe, visando incorporar o Uruguai, de cuja independência o Brasil e a Argentina eram
países garantes.
As tropelias e invasões da fronteira
do Rio Grande do Sul e o roubo de gado de estancieiros gaúchos (mais de
800 mil cabeças, segundo estatística
da época) por bandos armados ligados a Oribe criaram uma situação insustentável pro império. Caxias, aliado a Urquiza, presidente da província
de Entre Rios, comandou a invasão da
Argentina. Buenos Aires foi ocupada,
e o presidente Rosas, deposto.
Mas não acabaram aí as nossas dificuldades do Prata. Outro caudilho
uruguaio que foi presidente, Atanásio
Aguirre, apoiado pelo ditador paraguaio Solano Lopes, voltou a incentivar a invasão da fronteira gaúcha. Repetiram-se os atos de agressão aos estancieiros e o roubo de gado. A cidade
de Jaguarão chegou a ser ocupada pelos bandos armados de Aguirre.
O império autorizou a nossa força
de fronteira a invadir o território uruguaio em perseguição aos agressores.
Isso serviu para Solano Lopes, sob o
pretexto de apoiar seu aliado Aguirre,
invadir a nossa desguarnecida província de Mato Grosso e a Província
Argentina de Corrientes.
Aí começou a Guerra da Tríplice
Aliança -Brasil, Argentina e Uruguai-, que ensangüentou a região por
quase cinco anos e terminou com a
morte de Solano Lopes e o completo
esgotamento da nação guarani.
Apresentamos esse resumo da
questão platina para recordar o quadro extenuante das crises em que
atuaram vitoriosamente, como representantes da diplomacia do Brasil, o
visconde e o barão do Rio Branco, cada um na sua época, negociando com
nossos aliados e obtendo suas participações ao nosso lado nas duas guerras
pelas quais fomos obrigados a repelir
as agressões sofridas -contra Rosas e
contra Solano Lopes. Terminada a luta no Paraguai, o visconde foi incumbido, como ministro plenipotenciário
em Assunção, de organizar a nação
guarani e negociar com nossos aliados os problemas do pós-guerra.
40 anos depois, seu filho -o barão- assumiu o Ministério de Relações Exteriores. Encontrou o Brasil
mergulhado em quatro prolongadas e
acaloradas questões de litígio fronteiriço: Uruguai, Bolívia, Venezuela e
Peru. Antes, como ministro plenipotenciário, havia se destacado na solução de litígios com a França e a Argentina. Com sua inigualável capacidade
diplomática, a todas resolveu, defendendo com sucesso o nosso direito,
sem guerra e de maneira amigável.
Eis o contexto histórico da missão,
hoje, de nosso Itamarati.
CARLOS DE MEIRA MATTOS, 93, doutor em ciência política e general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Miguel Reale Júnior: Impugnação moral e jurídica Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|