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HÉLIO SCHWARTSMAN
Inteligência maquiavélica
SÃO PAULO - Sai Deus, entra a
mentira. Os candidatos pararam
um pouco de falar no suposto criador para acusar um ao outro de
mentir feito o diabo. É hora de humanizar um pouco o debate.
Tudo indica que os postulantes
mentem mesmo. Agem assim porque é da natureza humana fazê-lo.
Como mostra Robert Feldman em
"The Liar in Your Life", bebês de
seis meses já simulam choro para
atrair atenção. A partir dos três
anos, crianças tornam-se verdadeiras Dilminhas e Serrinhas, que descumprem as regras estipuladas em
82% das ocasiões e mentem sobre
isso 95% das vezes. A coisa não melhora com a idade. No curso de uma
conversa de dez minutos em que
dois adultos se apresentam, eles
mentem em média três vezes cada.
É preciso, porém, distinguir inverdades. Há, para começar, mentirinhas inocentes socialmente necessárias, como elogiar a comida
da anfitriã. Um grau acima, estão as
mentiras de autopromoção, pelas
quais tentamos aparecer sob uma
luz mais favorável. Estamos aqui no
limiar entre a edição e a farsa. Só
depois vêm as tramas com intuito
de obter vantagem fraudulenta.
Essas fronteiras, já pouco nítidas, ficam mais borradas quando
somos parte do processo, como
mentirosos ou "vítimas". Aí entram
processos complexos como o autoengano (pelo qual construímos
uma imagem positiva de nós mesmos) e o viés de verdade (o modo
padrão do cérebro de aceitar como
exatas as informações que recebe).
O resultado é que os políticos
acreditam nas lorotas que contam,
e que os eleitores, ao querer acreditar, reforçam a tendência burlesca
dos candidatos. E o bate-boca entre
os postulantes só aumenta as coisas. Estudos mostram que, após ouvir uma mentira, mentimos mais.
Usar de ardis para subir na hierarquia pode tornar-se um processo
dinâmico. Isso levou certos autores
a propor que a mentira foi a grande
força a moldar a evolução humana.
É a hipótese da inteligência maquiavélica. Acredite quem quiser.
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