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CARLOS HEITOR CONY
Sabedoria política
RIO DE JANEIRO - Gosto de citar
um personagem de Dickens que
condensa grande parte da sabedoria política de todos os tempos, modos e lugares. Trata-se de Pickwick,
espécie de moralista quixotesco
que, sem saber, muitas vezes parecia um cínico em disponibilidade.
Tinha discípulos que eram quase
apóstolos, nada faziam sem consultar o mestre. Um dia, perguntaram-lhe o que deveriam fazer quando
encontrassem uma multidão gritando uma causa -qualquer causa.
Pickwick respondeu: "Gritem com
a multidão".
Um dos seus seguidores levantou o problema:
"E se houver duas multidões,
uma gritando a favor, outra gritando contra?". "Gritem com aquela
que estiver gritando mais forte",
ensinou o mestre.
O conselho é seguido religiosamente por todos os cidadãos que de
alguma forma participam da vida
política, quer na condição de aspirantes ao poder, quer na sofrida
carne dos eleitores. Daí a violência
das campanhas para os cargos do
Executivo ou do Legislativo.
Praticamente todas as regras do
convívio social são abolidas, pessoas civilizadas fazem acusações
sórdidas, nada se respeita e, quando não há fatos concretos, recorrem
a insinuações sobre o presente, o
passado e o futuro dos adversários.
É necessário gritar e gritar mais
forte para impressionar a plebe,
que muitas vezes não tem opinião
nenhuma -como os discípulos de
Pickwick-, mas que acaba optando pelo que grita mais alto.
A atual campanha, principalmente a do segundo turno, está
sendo marcada pela agressividade.
Dilma e Serra são pessoas educadas, habituadas ao respeito mútuo.
Os seguidores de um e de outra, em
tese, são também pessoas de comportamento normal. Contudo, a
paixão e o interesse pessoal estão
dando à campanha um gosto próximo ao do sangue.
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