São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLÓVIS ROSSI

Conspiração de papel

CARACAS - O comportamento da mídia venezuelana na crise é um escândalo talvez sem paralelo na nem sempre nobre história da imprensa na América Latina.
Os cinco principais canais privados mais nove dos dez grandes jornais abandonaram, quase totalmente, qualquer propósito informativo para se transformarem em aríetes (aliás, os principais) da tentativa de derrubar o presidente Hugo Chávez.
"A mídia se transformou em partido político", constata Marco Aurélio Garcia, o emissário especial do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu futuro assessor diplomático.
Para dar uma pálida idéia, cito duas supostas notícias, tiradas da capa de ontem de "El Nacional", um dos dois grandes.
O matutino publica uma série de fotos das filas formadas nos postos de gasolina e até no Registro Eleitoral (pelo recadastramento). O texto-legenda termina assim: "Houve quem comparasse o fenômeno das filas intermináveis com o cotidiano da vida em Cuba".
Chávez é acusado pela oposição de pretender implantar na Venezuela um regime igual ao de Fidel Castro em Cuba. Mas usar as filas para insinuar a comparação é de uma má-fé inacreditável. Em Cuba, as filas se dão por falta de bens. Na Caracas de agora, por uma paralisação politicamente motivada dos altos quadros gerenciais da estatal petrolífera.
O segundo caso é, na capa, a informação de que "o Executivo reconheceu que, devido à situação de paralisação do setor agroindustrial, se observa desabastecimento de itens essenciais". Parece uma vitória dos grevistas anti-Chávez, não é?
Lá no fundo das páginas internas, a informação correta: o governo não reconheceu nada. Acusou a principal central empresarial (a Fedecamaras) de provocar o desabastecimento. "Fazem desaparecer alguns produtos em pontos estratégicos", disse Efrén Andrades, o ministro de Abastecimento e Terras.
O pior é que a visão da mídia é a que contamina a informação que chega ao exterior.


Texto Anterior: Editoriais: RECUPERAÇÃO DUVIDOSA

Próximo Texto: Brasília - Fernando Rodrigues: A fraqueza do homem forte
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.