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CARLOS HEITOR CONY
O algodão em Melbourne
RIO DE JANEIRO - Com o advento da internet, ele pensou que ficaria livre de uma das coisas que mais o chateavam: a leitura dos jornais.
Por motivos profissionais, era obrigado a ler diariamente pelo menos
quatro deles, além de revistas semanais e mensais. Estava cheio.
No início, tudo foi maravilha.
Abria o computador e acessava o
que mais lhe interessava naquele
dia e naquela circunstância. Aos
poucos, antes de acessar o que lhe
interessava, era acessado por um
número cada vez maior de mensagens, na sua maioria de estranhos
ou de firmas e instituições que comunicavam um universo de informações que nada tinham a ver
com ele.
Em certa época, ficou preso num
cubículo e tinha por única distração
o exemplar de um jornal ali deixado
por inquilino anterior. Leu tudo,
desde a previsão do tempo para
aquele dia do passado, a votação de
um projeto na Câmara sobre o salário das merendeiras escolares do
Piauí, até a cotação do algodão tipo
B293 na Bolsa de Melbourne.
Jurou ódio aos jornais, mas precisava deles. Exultou quando soube
que a internet era maior e melhor
do que qualquer coisa impressa em
papel. Quando criança, gostava dos
jornais porque, depois que o pai os
lia, ele juntava os exemplares e uma
vez por semana os vendia no açougue do Seu Couto. Ganhava um tostão por quilo, preço de um picolé na
sorveteria Pingüim, a mais sortida
de Vila Isabel. A Saúde Pública proibiu que a carne fosse embrulhada
em jornais -ele perdeu a sua primeira fonte de renda.
Foi em frente. Hoje, quando abre
o computador, recebe informações
mais fartas e variadas, não apenas
do algodão em Melbourne mas das
homenagens que um vereador de
Nilópolis fez por merecer de seus
pares por motivo do nascimento de
sua primeira neta.
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