São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2000


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O grande segredo

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Ao contrário dos evangelhos, onde tudo era ""naquele tempo", a história que vou contar é do nosso tempo mesmo. Um jornalista soube que o prefeito de uma cidade do interior conseguira fazer um hospital cinco estrelas, com centro cirúrgico que o próprio alcaide, ao inaugurá-lo, declarou que ""era digno do Primeiro Mundo".
Em tempo: quando se usa essa expressão, dá-se a entender que no Primeiro Mundo ninguém morre, ninguém tem dor de barriga ou de alma. Ledo e ivo engano! Mas vamos lá.
O fato é que o hospital era decente mesmo, aliás, era decentíssimo. Sabendo que havia um glorioso quisto primeiro-mundista encravado numa das regiões mais miseráveis do Brasil, o jornalista decidiu assuntar. Tomou avião, ônibus, burro e canoa, chegou ao paraíso terrestre hospitalar.
E, por Júpiter!, encontrou aquilo que antigamente os jornais, para evitar a repetição da palavra hospital, chamavam de ""nosocômio". O centro cirúrgico podia fazer transplantes de cabeça, tronco e membros de qualquer mortal, embora os mortais da região nem precisassem disso.
Entrevistou o prefeito. Onde conseguira recursos para uma obra daquelas? Ajuda do Ministério da Saúde? Patrocínio de um fundo de pensão?
Nada disso. O prefeito disse que apenas não roubara nem deixara ninguém roubar. Ele descobrira que todos os serviços terceirizados da administração municipal pagavam de 15% a 25% de comissão aos intermediários. Canalizou esses recursos de volta ao orçamento de que dispunha. Deu para fazer o hospital e ainda sobrou algum.
Conto esta história porque ela explica muita coisa que acontece num país que vendeu estatais para cobrir déficits da Previdência, da saúde e da educação. E tudo continuou como antes.


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