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CARLOS HEITOR CONY
Elegia à bala perdida
RIO DE JANEIRO - Nada tenho contra os motoristas de táxi, embora
pouco recorra a eles. Mas outro dia,
justamente quando houve a última
guerra na Rocinha entre dois bandos
rivais, dos dois bandos rivais contra a
polícia e da polícia contra os dois
bandos rivais, precisei ir da praça
Quinze ao Leme. Tomei um táxi novinho, ar-refrigerado em bom funcionamento, a licença do motorista com
foto respectiva atestando que ele se
chamava Gervásio Antônio de Oliveira.
Disse que precisava ir ao Leme, pela
praia. Percebi que Gervásio Antônio
de Oliveira tremeu nas bases e, sobretudo, nas mãos. Meio sem jeito, ou
sem jeito algum, pediu que eu tomasse outro táxi, não o levasse a mal,
mas tinha pavor de ir para a Zona
Sul. Perguntei por quê. A resposta
veio tremida, do mais fundo de seu
pânico urbano: "Por causa da bala
perdida!".
Em sua boca, "bala perdida" parecia um duende maléfico, onipresente, que ficava rondando o espaço aéreo da cidade, esperando a oportunidade de Gervásio Antônio de Oliveira dar sopa e adentrar a Zona Sul.
Fatalmente haveria uma bala perdida, perdida e inteligente, dessas que
são programadas por computadores
igualmente inteligentes, e tornar-se-ia um petardo letal que acabaria
com os dias e as noites de Gervásio
Antônio de Oliveira.
Desconfiei que ele, em seu pavor
pela Zona Sul, não a conhecia suficientemente bem. Expliquei-lhe que
o Leme fica no lado oposto ao da Rocinha -mais fácil uma bala perdida
do Iraque ou da Faixa de Gaza pegá-lo desprevenido.
Gervásio Antônio não foi na conversa. Pediu desculpa, mil desculpas,
mas só de pensar em tomar a direção
fatal ele se borrava todo. Ficou pálido, lábio trêmulo, não daquela emoção que o Nelson Rodrigues atribuía
aos seus personagens quando se
emocionavam. Era medo mesmo,
pavor.
Compreendi a situação. Desci, tomei outro táxi, sem ar-refrigerado. O
motorista também era Oliveira, mas
oliveira da paz. Nome completo:
Paulo Simas de Oliveira.
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