São Paulo, Segunda-feira, 22 de Março de 1999
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Inflação e indexação

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A inflação tem um mérito para as autoridades do governo e economistas oficiais: dá a oportunidade de se preocuparem com aquilo que eles chamam de ""pobres".
É comum um desses sacerdotes do mercado neoliberal, dentro ou fora do governo, afirmar que a inflação é um imposto que onera o pobre, que o pobre é o mais prejudicado com a inflação, que o pobre sofre isso, sofre aquilo. Donde se conclui que a inflação é o único tema que traz à cabeça dos responsáveis pela nossa economia a existência dos pobres.
Evidente que a inflação não pode ser justificada. Mas ela existe em decorrência da falência de uma política econômica errada. A indexação dos salários, apesar de ser outro erro técnico, é o bandeide que bem ou mal equilibra as coisas.
Daí o lugar-comum que o governo e economistas oficiais criaram para combater os salários, acusando-os de serem a alavanca da inflação. Aumento de juros para pagar especuladores, aumento das tarifas públicas para o Estado continuar financiando viagens e mordomias, nada disso é inflacionário, deve ser indexado, que o dólar está caro.
Salário não. É a besta negra da economia. O ideal seria o trabalho escravo, gente despreparada que não tem nada a oferecer senão a mão-de-obra desqualificada. Pagar salário a essa gente já é um desperdício, um contra-senso econômico.
Quanto mais indexá-lo ao dólar! Abóbora, carne-seca, farinha de mandioca, mandacaru e certos répteis nascidos no mato ou em cortiços não dependem da balança cambial. A piedosa preocupação das autoridades com os pobres só se manifesta em tempos de inflação.
O sistema implantado por FHC simplificou as coisas. O governo está sempre certo. A sociedade está sempre errada. Os pobres devem dar sua cota de sacrifício para que o Brasil continue sendo um cassino confiável.


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