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CARLOS HEITOR CONY
Cachorros atropelados
RIO DE JANEIRO - Aprendi com os
meus maiores que não se deve chutar cachorro atropelado. E, mesmo
que não me tivessem ensinado regra tão elementar, acredito que por
conta própria eu evitaria chutar
não apenas os cachorros atropelados mas os caídos e vencidos na vida, pela simples e bastante razão de
ser eu um deles.
No cenário público, incluindo a
política, a administração, as finanças, as artes em geral e até o futebol, é comum alguém cair em desgraça, às vezes merecidamente, às
vezes não.
De repente, surge uma ordem,
vinda não se sabe de onde, na base
do "tasca, tasca!" -e todos se esbofam para tirar uma lasca do infeliz,
acrescentar um cascudo ou um
pontapé no demônio de plantão.
Invocam-se causas e pretextos
dos mais nobres para o linchamento. Diga-se que há personalidades
especializadas em provocar as cóleras moralistas, políticas, administrativas, estéticas e clubísticas.
Querem fazer, injustamente, do técnico Dunga a ratazana contra a
qual vale qualquer coisa. Mesmo
vencendo como está vencendo, a
mídia o trata como um judas em
Sábado de Aleluia.
Lembro o Manduca, irmão da
Eneida de Morais, cronista ilustre e
locomotiva da vida literária nos
anos 60. Manduca era do Pará, fez
tantas e tão boas que foi obrigado
a migrar.
Passou anos no Rio e, um dia,
apertado pela saudade de sua Belém natal, decidiu regressar à cidade onde passara a juventude. Acreditava que já tinham se esquecido
de suas estripulias.
Quando saltou no aeroporto,
comprou um jornal local. E lá estava a manchete na primeira página,
em caixa alta: "Manduca volta para
fazer das suas!".
Ele nem havia feito nada, nem
das suas, nem dos outros. Tomou
a decisão na hora. Comprou um
bilhete e voltou para o Rio no
mesmo avião.
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