São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Os mercados e a ira

MONTEVIDÉU - É sempre perigoso deixar-se levar por impressões, mas vou correr o risco: o presidente Fernando Henrique Cardoso deu a impressão, nas inúmeras vezes em que falou aos jornalistas ou a outros públicos em Montevidéu, que está profundamente irritado e magoado com os tais mercados.
Ontem, por exemplo, fez um copioso discurso para empresários uruguaios destinado a tentar provar que a crise no Brasil não existe. É apenas uma questão de percepção dos mercados financeiros, que, obviamente, ele acha equivocada.
Chegou a usar uma expressão sociológica ("dissonância cognitiva") para referir-se à crise. Seria, na sua interpretação, "uma defasagem entre o que ocorre e o que se informa ou se percebe que está ocorrendo".
Foi só na fase de perguntas, posterior ao discurso, que o presidente foi lembrado de que, percepção ou realidade objetiva, o fato é que a turbulência está fazendo com que os empresários fiquem sem crédito, o que, por sua vez, afeta a atividade econômica, o que é muito real.
A irritação com os mercados (ou agentes financeiros ou o nome que se queira dar) é tamanha que FHC contrapôs a política (o que significa ação do Estado) ao mercado. "Sem a política, os mercados também se tornam irracionais", disse.
É verdade que o presidente jamais aceitou que se tivesse rendido aos mercados, ao contrário do que dizem a oposição e muitos críticos independentes. Mas, se de percepção se trata, o que se percebeu nos quase oito anos de governo FHC é que, por inércia ou por convicção, sua gestão deixou-se levar pelos mercados.
Até uma medida que teria sido providencial e que deveria ter sido adotada antes (a desvalorização do real) foi imposta pelos mercados, como o próprio presidente diz vez ou outra.
Talvez por sentir que essa rendição não tenha produzido o reconhecimento esperado por parte dos mercados FHC esteja exibindo essa irritação. Agora, é tarde.


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