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CLÓVIS ROSSI
Os mercados e a ira
MONTEVIDÉU - É sempre perigoso deixar-se levar por impressões, mas
vou correr o risco: o presidente Fernando Henrique Cardoso deu a impressão, nas inúmeras vezes em que
falou aos jornalistas ou a outros públicos em Montevidéu, que está profundamente irritado e magoado com
os tais mercados.
Ontem, por exemplo, fez um copioso discurso para empresários uruguaios destinado a tentar provar que
a crise no Brasil não existe. É apenas
uma questão de percepção dos mercados financeiros, que, obviamente,
ele acha equivocada.
Chegou a usar uma expressão sociológica ("dissonância cognitiva")
para referir-se à crise. Seria, na sua
interpretação, "uma defasagem entre
o que ocorre e o que se informa ou se
percebe que está ocorrendo".
Foi só na fase de perguntas, posterior ao discurso, que o presidente foi
lembrado de que, percepção ou realidade objetiva, o fato é que a turbulência está fazendo com que os empresários fiquem sem crédito, o que,
por sua vez, afeta a atividade econômica, o que é muito real.
A irritação com os mercados (ou
agentes financeiros ou o nome que se
queira dar) é tamanha que FHC contrapôs a política (o que significa ação
do Estado) ao mercado. "Sem a política, os mercados também se tornam
irracionais", disse.
É verdade que o presidente jamais
aceitou que se tivesse rendido aos
mercados, ao contrário do que dizem
a oposição e muitos críticos independentes. Mas, se de percepção se trata,
o que se percebeu nos quase oito anos
de governo FHC é que, por inércia ou
por convicção, sua gestão deixou-se
levar pelos mercados.
Até uma medida que teria sido providencial e que deveria ter sido adotada antes (a desvalorização do real)
foi imposta pelos mercados, como o
próprio presidente diz vez ou outra.
Talvez por sentir que essa rendição
não tenha produzido o reconhecimento esperado por parte dos mercados FHC esteja exibindo essa irritação. Agora, é tarde.
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