São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIANE CANTANHÊDE

A anistia que não acabou

BRASÍLIA - Vinte e cinco anos se passaram desde a anistia de 1979, que não foi "ampla, geral e irrestrita", mas foi por onde tudo começou. Tudo, ou seja, a longa e pacífica redemocratização brasileira.
Como disse o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em entrevista para esta edição, aquela primeira anistia foi como "lenço de papel, você tira da caixinha e surge logo outro".
Depois daquele lencinho, que trouxe de volta grandes líderes políticos e livrou da cadeia jovens idealistas e promissores, vieram a revogação da Lei de Segurança Nacional, as "diretas já", a constituinte, a primeira eleição direta para presidente... até a eleição de FHC em 1994 e a de Lula em 2002. Com eles, os anistiados assumiram o poder.
Avanços enormes, gigantescos, mas a anistia não foi concluída. O mais recente e mais chocante exemplo é o assassinato de moradores de rua a pauladas em plena São Paulo. A anistia de 1979 atingiu a elite, suspendeu a tortura da elite. Mas a tortura existia antes e continuou existindo depois para a "ralé", para os excluídos. Os pobres e miseráveis ainda não tiveram clemência da sociedade e dos governantes brasileiros.
Os setores organizados, a dissidência decente do regime, a oposição e a esquerda foram às ruas para lutar pela anistia da sua elite política e dos filhos da classe média. Mas voltaram todos para casa, e o pau continuou quebrando nas costas de milhões.
Como diz Thomaz Bastos, os anos 70 foram de luta pela "liberdade". Que algum dia se comece efetivamente a luta pela "igualdade". E já está passando da hora.
Os anistiados de ontem viraram os poderosos de hoje. E têm uma dívida com as suas idéias e sua própria história, com os que lutaram por sua anistia e com o país que querem para seus filhos: a responsabilidade de realmente lutar pela igualdade.
Vinte e cinco anos depois, seria o momento de comemorar o grande passo que foi a anistia. Mas, com os mortos das ruas de São Paulo, ainda temos muito a chorar.


Texto Anterior: São Paulo - Clóvis Rossi: A paisagem
Próximo Texto: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Olga
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.