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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil deve adaptar o calendário do futebol nacional ao calendário do futebol europeu?
NÃO
Por um modelo brasileiro
MARCELO DE CAMPOS PINTO
A CONTROVÉRSIA sobre a adaptação do calendário brasileiro
ao dito europeu é antiga, tendo
recentemente voltado à pauta.
Inicialmente, cumpre esclarecer
que o calendário adotado pelas cinco
principais ligas europeias não vige em
toda a Europa. A maioria dos países
europeus adota o calendário gregoriano, motivo pelo qual não se pode
afirmar que existe um só calendário
em toda a Europa.
Cabe, de pronto, uma primeira consideração: por que as cinco grandes ligas adotam um calendário que começa em meados de agosto e termina em
fins de maio? A resposta é simples:
porque, nesses países, de junho a
agosto ocorrem as férias escolares, e
em julho e agosto é o auge do verão,
período em que as famílias saem de
férias, as empresas concedem férias
coletivas e a atividade econômica
atinge os menores índices do ano.
Chega-se a uma primeira conclusão: o fator climático exerce uma influência determinante na elaboração
do calendário de qualquer país.
E tanto isso é verdade que o calendário do futebol russo tem início em
meados de março e termina em fins
de novembro do mesmo ano. Lá, o
problema é o inverno -rigoroso em
dezembro, janeiro e fevereiro-, e não
o verão, que apresenta temperaturas
amenas nos meses de julho e agosto.
O calendário da Champions League, esta, sim, uma competição continental como o Brasileirão, reconhece
as realidades climáticas dos diversos
países. Essa copa tem início na segunda quinzena de agosto, para entre dezembro e fevereiro e termina em fins
de maio do ano seguinte, respeitando
o verão causticante de alguns países e
o rigoroso inverno dos demais.
O caso brasileiro não é diferente do
europeu. Aqui também se respeita o
fator climático: entre dezembro e fevereiro é o pico do verão, período em
que ocorrem as férias escolares, as férias coletivas nas empresas e registra-se o mais baixo índice de nossa atividade econômica anual.
Além da questão climática, temos
que considerar dois outros importantes fatores.
O Brasil está subordinado ao calendário da Confederação Sul-Americana e somente em nosso país existem
campeonatos estaduais. O resultado é
um calendário brasileiro com um mínimo de 92 datas: 21 são destinadas
aos estaduais, 18 à Libertadores e à
Copa do Brasil, dez à Sul-Americana,
38 ao Brasileiro e um mínimo de cinco datas para os jogos da seleção brasileira pelas eliminatórias da Copa.
Isso faz com que nossos jogadores
parem apenas 45 dias por ano, sendo
30 para gozo de férias e 15 para pré-temporada. Na Europa, por sua vez, a
parada é de 90 dias.
Cabe, portanto, outra pergunta: como compatibilizar calendários que
têm número de jogos completamente
díspares e um período de parada que,
no caso europeu, é duas vezes maior
que o brasileiro?
Quanto à venda de atletas para o exterior, vale salientar que as cinco
grandes ligas têm duas janelas de
transferência por ano: uma de 45 dias
entre dezembro e fevereiro e outra de
75 dias entre maio e meados de agosto. Essas ligas responderam, no ano
passado, por apenas 15% das transferências para o exterior e, nesse ano, o
percentual caiu para 13%.
Ou seja, mesmo que mudássemos o
calendário, os atletas continuariam
sendo vendidos a cada seis meses para as cinco grandes ligas e a grossa
maioria durante todo o ano para os
países que não respeitam as janelas
de transferência.
Se a questão é evitar o êxodo de
atletas, a solução não está na mudança do calendário, mas no fortalecimento econômico de nossos clubes.
Muito embora sempre tenha me
manifestado contra essa mudança,
não tenho a pretensão de ser o senhor
da razão. Entendo que essa questão
merece ser amplamente debatida,
com a participação de todos os segmentos do mundo do futebol, dos
anunciantes e do público torcedor
que acompanha seu clube nos estádios e pela televisão.
Oportunidade em que também deveríamos discutir temas como a melhora da gestão dos clubes, a atratividade dos atuais formatos das competições, a melhoria dos estádios e tantos outros que, se implementados forem, muito contribuirão para a retenção dos craques em nossos clubes.
MARCELO DE CAMPOS PINTO , 55, advogado com mestrado em direito comparado pela Universidade de Illinois,
é diretor-executivo da Globo Esportes.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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