São Paulo, sábado, 22 de agosto de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES


O Brasil deve adaptar o calendário do futebol nacional ao calendário do futebol europeu?

NÃO

Por um modelo brasileiro

MARCELO DE CAMPOS PINTO

A CONTROVÉRSIA sobre a adaptação do calendário brasileiro ao dito europeu é antiga, tendo recentemente voltado à pauta.
Inicialmente, cumpre esclarecer que o calendário adotado pelas cinco principais ligas europeias não vige em toda a Europa. A maioria dos países europeus adota o calendário gregoriano, motivo pelo qual não se pode afirmar que existe um só calendário em toda a Europa.
Cabe, de pronto, uma primeira consideração: por que as cinco grandes ligas adotam um calendário que começa em meados de agosto e termina em fins de maio? A resposta é simples: porque, nesses países, de junho a agosto ocorrem as férias escolares, e em julho e agosto é o auge do verão, período em que as famílias saem de férias, as empresas concedem férias coletivas e a atividade econômica atinge os menores índices do ano.
Chega-se a uma primeira conclusão: o fator climático exerce uma influência determinante na elaboração do calendário de qualquer país.
E tanto isso é verdade que o calendário do futebol russo tem início em meados de março e termina em fins de novembro do mesmo ano. Lá, o problema é o inverno -rigoroso em dezembro, janeiro e fevereiro-, e não o verão, que apresenta temperaturas amenas nos meses de julho e agosto.
O calendário da Champions League, esta, sim, uma competição continental como o Brasileirão, reconhece as realidades climáticas dos diversos países. Essa copa tem início na segunda quinzena de agosto, para entre dezembro e fevereiro e termina em fins de maio do ano seguinte, respeitando o verão causticante de alguns países e o rigoroso inverno dos demais.
O caso brasileiro não é diferente do europeu. Aqui também se respeita o fator climático: entre dezembro e fevereiro é o pico do verão, período em que ocorrem as férias escolares, as férias coletivas nas empresas e registra-se o mais baixo índice de nossa atividade econômica anual.
Além da questão climática, temos que considerar dois outros importantes fatores. O Brasil está subordinado ao calendário da Confederação Sul-Americana e somente em nosso país existem campeonatos estaduais. O resultado é um calendário brasileiro com um mínimo de 92 datas: 21 são destinadas aos estaduais, 18 à Libertadores e à Copa do Brasil, dez à Sul-Americana, 38 ao Brasileiro e um mínimo de cinco datas para os jogos da seleção brasileira pelas eliminatórias da Copa.
Isso faz com que nossos jogadores parem apenas 45 dias por ano, sendo 30 para gozo de férias e 15 para pré-temporada. Na Europa, por sua vez, a parada é de 90 dias.
Cabe, portanto, outra pergunta: como compatibilizar calendários que têm número de jogos completamente díspares e um período de parada que, no caso europeu, é duas vezes maior que o brasileiro?
Quanto à venda de atletas para o exterior, vale salientar que as cinco grandes ligas têm duas janelas de transferência por ano: uma de 45 dias entre dezembro e fevereiro e outra de 75 dias entre maio e meados de agosto. Essas ligas responderam, no ano passado, por apenas 15% das transferências para o exterior e, nesse ano, o percentual caiu para 13%.
Ou seja, mesmo que mudássemos o calendário, os atletas continuariam sendo vendidos a cada seis meses para as cinco grandes ligas e a grossa maioria durante todo o ano para os países que não respeitam as janelas de transferência.
Se a questão é evitar o êxodo de atletas, a solução não está na mudança do calendário, mas no fortalecimento econômico de nossos clubes. Muito embora sempre tenha me manifestado contra essa mudança, não tenho a pretensão de ser o senhor da razão. Entendo que essa questão merece ser amplamente debatida, com a participação de todos os segmentos do mundo do futebol, dos anunciantes e do público torcedor que acompanha seu clube nos estádios e pela televisão.
Oportunidade em que também deveríamos discutir temas como a melhora da gestão dos clubes, a atratividade dos atuais formatos das competições, a melhoria dos estádios e tantos outros que, se implementados forem, muito contribuirão para a retenção dos craques em nossos clubes.


MARCELO DE CAMPOS PINTO , 55, advogado com mestrado em direito comparado pela Universidade de Illinois, é diretor-executivo da Globo Esportes.


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