São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

A grande festa

RIO DE JANEIRO - Não sei se estou bem informado, mas, antigamente, o dia de hoje era o início da primavera. Os tempos mudam e nós mudamos com eles -""tempora mutantur et nos cum illis", como disse o poeta Virgílio. E tudo é possível, como diria Machado de Assis.
Já contei aqui uma das maiores decepções de minha vida, um desencanto que até hoje me persegue e me faz duvidar de tudo. Os jornais e os rádios anunciavam que a prefeitura promoveria uma festa da primavera na Quinta da Boa Vista, o monumental jardim em volta do antigo palácio imperial dos dois Pedros, o primeiro e o segundo.
Disseram-me maravilhas dessa festa e dessa primavera. Pássaros cantando, flores nascendo, eflúvios balsâmicos -não, ninguém me falou nesses eflúvios balsâmicos, eu é que estou falando por conta própria e pela memória corrompida pelo tempo e pelas circunstâncias.
Fiz questão de ir à festa prometida. Enchi o saco do pai, que nunca se enchia de nada, estava sempre afim de uma festa, fosse qual fosse, viver para ele uma festa. Para agravar a minha expectativa, ele aumentou, também por conta própria, o encanto da festa, prometendo-me doces com as frutas da estação e músicas cantadas pelos meninos que vinham de Viena para abrilhantar o evento com canções de Schubert e de outros compositores românticos.
Foi -como disse- a decepção inaugural da minha estada neste mundo. A festa se resumia a umas bananeiras de papel crepom verde, a umas moças de pernas de fora distribuindo uma propaganda das obras municipais em andamento, a uma carrocinha combalida, fedendo a querosene e vendendo algodão-doce -foi a primeira vez que vi algodão-doce colorido, uns eram azuis, outros eram rosa.
Não havia nenhum menino cantor de Viena, nenhuma canção de Schubert. Havia, isso sim, um alto-falante medonho e fanho que tocava dobrados militares e pedia votos para um vereador amigo do prefeito.


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