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DECISÃO DIFÍCIL
A discussão sobre o aborto,
como não poderia deixar de
ser, é cercada de aspectos emocionais, questões religiosas e dilemas
morais. As reações que ela enseja são
tão viscerais que dois magistrados
do Supremo Tribunal Federal se desentenderam publicamente na sessão de anteontem que cassou, por sete votos a quatro, liminar do ministro
Marco Aurélio Mello que permitia o
aborto de fetos anencefálicos.
A maioria dos magistrados julgou
que não se justificava a liminar "erga
omnes" (válida para todos) que admitia a antecipação de nascimento
de bebês anencefálicos, isto é, portadores de uma má-formação do tubo
neural incompatível com a vida extra-uterina. O mérito da ação proposta pela Confederação Nacional de
Trabalhadores em Saúde não foi ainda analisado, mas a cassação da liminar, no contexto de um intenso lobby
de setores religiosos, sugere que são
pequenas as chances de essa modalidade de aborto terapêutico ser aprovada em breve no STF.
Dado o caráter emocional dos debates, não é razoável esperar que os
defensores de uma das posições convençam seus opositores com argumentos racionais. Daí a necessidade
de lidar com a situação de forma
pragmaticamente democrática.
Faz sentido a tese dos que defendem o aborto de feto anencefálico argumentando que é uma crueldade
obrigar a mãe a levar adiante uma
gravidez que certamente resultará
numa criança natimorta. Também é
respeitável a posição dos religiosos
de querer ver a proteção à vida tutelada pela sociedade.
É preciso, porém, observar que
nem para a Igreja Católica a defesa da
vida é um valor absoluto. Roma não
condena a pena de morte e admite a
noção de "guerra justa". No mais, a
legislação brasileira já admite, desde
1940, a realização desse procedimento em casos de estupro e de risco de
vida para a gestante.
A impossibilidade de extrair desse
impasse uma solução de compromisso sugere que o mais sábio seria,
no caso em debate, transferir a decisão, difícil e pessoal, para os pais. O
Supremo, lamentavelmente, perdeu
essa ocasião anteontem.
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