|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIANE CANTANHÊDE
Chegou a hora
BRASÍLIA - Por e-mail, um leitor reclamou que nós, da imprensa, só fizemos aquela confusão em 75 e estamos fazendo agora porque Vladimir
Herzog, assassinado no DOI-Codi de
São Paulo, era jornalista. Na opinião
do leitor, ele era só mais uma vítima.
O fato de Vlado ser jornalista pesou, vá lá, mas há toneladas de razões para sua morte ser um marco no
início do fim do regime militar. A tortura é abominável em qualquer hipótese, mas Vlado foi o mártir certo na
hora certa. Tinha um cargo importante numa TV pública, não era militante ativo, não pegava em armas, tinha endereço fixo, mulher e filhos. E
apresentou-se espontaneamente.
Mais: o momento era propício a
uma enorme repercussão. A rejeição
da sociedade ao regime estava madura, as várias frentes de oposição
convergiam e o governo Geisel duelava com a "linha dura".
Após 29 anos, Vlado volta ao centro
da cena para mobilizar, incomodar,
provocar, gerar ação e até revelar que
forças ocultas ainda andam por aí
desenterrando notas dos anos 70, sabe-se lá com que intenções.
A foto de Vlado enforcado a centímetros do chão virou um símbolo dos
"anos de chumbo" e ajudou a mudar
a história. As fotos que surgem agora,
de um homem nu, humilhado, não
devem ser dele nem de outro jornalista, e sim de um padre progressista. E
mostram que a história não acabou.
Essas fotos e a semelhança com
Vlado reabrem uma dor nacional
que só vai passar definitivamente
quando tudo estiver límpido, transparente. A tortura é o grau máximo
da degradação, mas gestos sórdidos
como fotografar a intimidade de pessoas para chantageá-las, pelo simples
crime da discordância, também dizem tudo do caráter de um regime e
de seus agentes.
Não, a imprensa não fez a confusão
toda de 75 e não faz agora de novo
porque Vlado era jornalista ou padre, mas simplesmente porque chegou a hora. Em 75, a hora do basta.
Em 2004, a hora de escancarar toda a
verdade. Até porque são os perseguidos e torturados que estão no poder.
Texto Anterior: Lisboa - Clóvis Rossi: A vitória do medo Próximo Texto: Rio de Janeiro - Nelson Motta: Som na caixa (registradora) Índice
|