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Estatuto das Famílias
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
O estatuto pretende regulamentar e legitimar todas as formas de família. Ele por certo trará incômodo e talvez até arrepios
COMEÇOU A tramitar no Congresso em 25 de outubro o projeto de lei nº 2.285/07, de autoria do deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), que propõe a revisão e
uma grande reforma em todo o sistema jurídico brasileiro sobre a família.
Esse projeto é produto da reflexão
de dez anos de existência do IBDFam
(Instituto Brasileiro de Direito de Família), que veio instalar novos paradigmas jurídicos para a organização
das famílias.
Ele foi pensado, escrito e formatado
por uma comunidade jurídica de quase 4.000 associados, entre os quais juristas, advogados, magistrados, membros do Ministério Público, professores de direito, psicólogos, psicanalistas e assistentes sociais.
O projeto de
lei 2.285/07 representa o pensamento mais legítimo e contemporâneo do
direito de família.
É um projeto revolucionário. Certamente, o que está ali expressado
não é unanimidade, mas representa e
traduz o pensamento não só de uma
comunidade jurídica mas, principalmente, da realidade brasileira atual.
Desde a Constituição de 1988, as
leis ficaram desatualizadas. O Código
Civil em vigor, embora aprovado em
2002, foi elaborado na década de 60.
O livro da família já nasceu velho e
traduz concepções morais completamente ultrapassadas.
A vida mudou, a realidade socioeconômica transformou valores e concepções, mas a realidade jurídica permaneceu atrelada a um passado que
traduzia apenas concepções da família hierarquizada e patriarcal.
O Estatuto das Famílias certamente encontrará resistências de alguns
parlamentares. Ele faz alterações
profundas na estrutura e no sistema
jurídico. É um estatuto que inclui e legitima todas as formas de famílias
conjugais e parentais. Dentre as famílias conjugais, estão aquelas constituídas pelo casamento, pela união estável entre homens e mulheres e também as homoafetivas.
A família parental também se
transformou. Os laços de parentesco
já não se sustentam mais só pelo vínculo biológico. O direito já aprendeu,
e a jurisprudência já vinha traduzindo, que a paternidade e a maternidade
são funções exercidas -e isso fez surgir uma nova categoria: a parentalidade socioafetiva. Alguém que é criado
como filho por um longo período é
também filho legítimo, como são todos os filhos, independentemente de
sua origem. Aliás, não há mais filhos
ilegítimos.
Nas separações de casais, não haverá mais brigas sustentadas pelo Estado-juiz. Com o fim da culpa na dissolução do casamento, esvaziam-se os
longos e tenebrosos processos judiciais de separação. Casamento acaba
porque acaba. O amor acaba.
O estatuto propõe substituir culpa
por responsabilidade e, assim, os filhos podem deixar de ser moeda de
troca do fim da conjugalidade.
O princípio da igualdade parental
induz ao compartilhamento da guarda de filhos e à compreensão de que os
filhos não precisam se divorciar de
seus pais, pois a separação é só do casal. A família não se dissolve nunca, o
que pode acabar é a conjugalidade.
As mudanças propostas estão também no plano da prática do direito, isto é, no processo judicial.
É inconcebível, por exemplo, fazer
uma cobrança de pensão alimentícia
da mesma forma e com a mesma lentidão com que se cobra um cheque ou
uma nota promissória. A fome não espera. A cobrança do cumprimento da
obrigação alimentar estará facilitada
e agilizada, sem prejuízo da segurança
das relações jurídicas.
Vitória para crianças, adolescentes
e para a parte economicamente mais
fraca, que, naturalmente, é prejudicada pela morosidade judicial, que torna tais cobranças de alimentos um
verdadeiro calvário para quem precisa desse dinheiro para sobreviver.
Casamentos, uniões estáveis, famílias recompostas, monoparentais, nucleares, binucleares, homoafetivas,
família geradas por meio de processos
artificiais... Esses são alguns dos diversos arranjos familiares do século
21 que compõem a nova realidade, cujo ordenamento jurídico atual não
traduz.
A família não está em desordem.
Ela foi, é e continuará sendo o núcleo
básico, essencial e estruturante do sujeito. O Estatuto das Famílias pretende regulamentar e legitimar todas as
formas de família. Ele certamente
trará incômodo e talvez até arrepios,
mas não poderia deixar de ser a mais
autêntica tradução da realidade. O PL
traz consigo, em sua essência, o valor
jurídico norteador de todas as relações: o afeto.
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, 49, doutor em direito civil, é advogado, professor da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e presidente do IBDFam
(Instituto Brasileiro de Direito de Família).
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