São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 1999

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O governo deve manter sua atual política de juros?

NÃO
Essa mágica acabou

CLAUDIO HADDAD

Semana passada, a mágica acabou. Desvalorizou-se o câmbio, mas, como pecador arrependido, o governo aumentou os juros ao mesmo tempo em que ameaçava os produtores que subissem seus preços.
Com essa estratégia, o governo visa duas coisas: evitar a volta da inflação e fazer uma desvalorização controlada, impedindo que a taxa de câmbio suba muito, para depois, influenciada pela melhoria do saldo comercial, cair.
Como a melhoria do saldo comercial é lenta (pela experiência brasileira são necessários uns seis meses para que os efeitos da desvalorização se manifestem plenamente nas exportações e importações), o governo teme, com razão, os efeitos maléficos que uma desvalorização exagerada possa ter sobre a economia.
Apesar das boas intenções, essa estratégia é equivocada. É preciso distinguir aumento de preços de inflação. Esta se caracteriza por aumentos continuados de preços, que só aconteceriam se o governo patrocinasse a volta da indexação ou se passasse a emitir reais continuamente.
Cabe ao governo, e unicamente a ele, resistir a essas pressões. Caso isso ocorra, não há por que voltar ao círculo vicioso do passado recente.
Já os aumentos de preços não são somente inevitáveis. São também paradoxalmente bem-vindos. Eles são parte integrante e fundamental do processo de ajustamento da balança comercial. Ao tornarem todos os produtos que dependem de matérias-primas importadas mais caros, a desvalorização e os aumentos de preços reduzem as importações. Do lado dos produtores dos similares nacionais, é justamente a subida de preços de seus produtos que, ao aumentar suas margens de lucro, faz com que eles os produzam mais, criando novos empregos. Esses dois movimentos contribuem para que se consigam superávits comerciais e divisas. O mesmo raciocínio vale para os produtos de exportação.
Além disso, o aumento de preços contribui decisivamente para o ajuste fiscal. A maior parte dos impostos arrecadados pelo governo é naturalmente indexada. Quando os preços sobem, eles tendem a aumentar. Já as despesas são em boa parte discricionárias. Se todos os preços subirem 20% e o aumento de despesas públicas for contido em 10%, o déficit público seria reduzido em 3,2% do PIB ( Produto Interno Bruto ). Isso seria equivalente ao pacote fiscal acordado com o FMI.
O aumento de juros é um erro. Ao contrário, o Banco Central deveria reduzi-los, deixando o câmbio flutuar até encontrar seu patamar de equilíbrio. Com reservas em um nível perigosamente baixo e a dívida interna perigosamente alta, tentar defender novos patamares para o câmbio subindo juros é brincar à beira do abismo. Isso já custou mais de US$ 1 bilhão nos últimos quatro dias. Há cinco anos a economia brasileira vem sendo sufocada por juros escorchantes. A redução dos juros associada à liberação do câmbio é fundamental para minorar a recessão e fazer o país voltar a crescer.
Pode-se objetar que, dessa forma, não haveria limite para a queda do real. Não há razão para acreditar nisso. Na medida em que os mercados futuros de câmbio continuem a funcionar, agora sem interferência do governo, haverá uma taxa tal que induzirá os exportadores, que hoje retêm suas mercadorias na expectativa de futuras desvalorizações, a venderem futuro, iniciando um movimento que levará ao verdadeiro equilíbrio de mercado a taxa de juros fixada pelo Banco Central.
E qual deveria ser essa taxa? Difícil dizer, mas ela teria de estar bem abaixo dos 34% ao ano praticados hoje. Em um regime de taxa de câmbio flutuante, resgata-se a possibilidade de se ter uma política monetária independente, na qual a taxa de juros deixa de ser objetiva e passa a ser instrumento de controle monetário. O jogo muda, e esse é um jogo que o Banco Central terá de reaprender a jogar. Se esse regime é ou não o mais adequado para o Brasil só o futuro dirá, mas hoje essa dúvida é acadêmica, simplesmente porque não há muitas opções.
A desvalorização implícita nessa estratégia certamente traz uma série de problemas para algumas empresas, que teriam de ser tratados no caso-a-caso com seus credores. Traz também uma perda de imagem do governo, cuja popularidade foi produto da mágica que deixou todo mundo feliz, à custa de endividamento, por quatro anos e meio. Chegou a hora de pagar a conta.


Claudio Luiz da Silva Haddad, 52, é doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA). Foi diretor-superintendente do Banco de Investimentos Garantia S/A de 1992 a 1998.




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