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TV Brasil - tropeços estruturais
JORGE DA CUNHA LIMA
Televisão pública só se justifica se acertar sua programação,
em parceria com o público e os criadores
A MEDIDA provisória que autorizou a criação da TV Brasil fixou os princípios sobre os
quais ela deveria atuar.
Isso nos dá força para avaliar os primeiros tropeços.
As opções jurídico-institucionais
não deverão ajudar a instituição prevista, por razões estruturais, independentemente da vontade dos gestores.
A opção por uma empresa pública,
em vez de uma fundação pública de
direito privado, vetada na legislação
federal, subordina essa empresa a um
ministério, no caso, a Secom.
Melhor seria tê-la subordinado ao
Ministério da Cultura ou da Educação, cujas finalidades coincidem com
a missão da TV pública em muitos aspectos. Subordiná-la à Secom é condicionar o coelho ao regime prioritário
de cenouras temperadas pelos interesses de propaganda do Planalto.
Outro erro, o Conselho Administrativo, com poder de nomear, dar diretrizes de gestão e autorizar despesas, cujos componentes são ministros
do governo, política e moralmente
atrelados à vontade da administração.
Como poderão gerir com isenção?
Já o Conselho Curador, reclamado
pela sociedade e relativamente representativo dela, só será escolhido pela
sociedade em sua segunda representação. Esse primeiro conselho nem
sempre representa pessoas dos meios
de comunicação pública, intelectuais
ou técnicos e produtores do setor.
Esse conselho não tem, como o da
Fundação Padre Anchieta - TV Cultura, o poder de nomear o presidente-executivo -aliás, não tem nenhum
poder de gestão administrativa e financeira. Tem, é verdade, o poder de
demitir a diretoria executiva, mas isso
o torna um conselho de crise, e não
um conselho de construção.
Além desses problemas, a presidência executiva conflita estruturalmente com a superintendência, responsável pela programação. No caso da TV
Brasil, Tereza Cruvinel veio da televisão privada e, embora de grande competência profissional, tem a cultura
da informação de mercado, da televisão de espetáculo. Felizmente, vestiu
a camisa da TV pública e tem consciência de que a estrutura da EBC pode e deve ser aperfeiçoada.
Já o superintendente, Orlando Senna, de grande experiência pessoal em
comunicação, representa o pensamento do MinC consolidado no conceito de TV pública. Deverá superar a
visão de política de cultura do ministério pela de cultura pública.
A nomeação de uma responsável
pelo jornalismo que também é da TV
de mercado e que ainda por cima é casada com um funcionário de comunicação da Secom não tem implicações
técnicas nem mesmo profissionais,
mas cria um curto circuito político.
A demissão recente de Luiz Lobo
ainda não pode ser atribuída à estrutura da instituição. Contrato de trabalho é composição jurídica bilateral.
Não temos ainda elementos para avaliar as prepotências em jogo. Felizmente, o Conselho Curador foi acionado -e isso é bom.
Fundamental é a grade de programação: seu conteúdo, sua capacidade
inovadora, sua qualidade, isto é: independência, criatividade, representatividade regional, pluralismo, interatividade da programação e abertura às
fontes de criação disponíveis.
Há 35 anos a televisão pública persegue uma programação de qualidade, capaz de servir e de interessar o telespectador. Isso significa fazer uma
televisão diferente da de mercado.
Há um sério problema de audiência
não resolvido nas TVs públicas. E a
questão não se resolverá nunca enquanto se buscar para o impasse o
modelo da televisão comercial. Somos covardes diante dela e de seus
Ibopes. Em vez de ousarmos nos limites da linguagem e dos conteúdos,
buscamos a pátina erudita para cobrir
a enganação do espetáculo.
É verdade que já acertamos na programação infantil e quando abrimos
os grandes temas ao debate, como
conseguimos no "Roda Viva", quando
insistimos na MPB e na música erudita, pássaros sem ninho na televisão
brasileira.
Acertamos quando ousamos, na
dramaturgia e na literatura, mas isso
é muito raro.
Erramos no jornalismo, ao apresentar o espetáculo da notícia, e não a
compreensão dos acontecimentos, e,
sobretudo, quando nos deixamos seduzir pela notícia oficial.
Acertamos quando perguntamos a
Nietzsche o que ele pensa da amizade.
TV pública só se justifica se acertar
sua programação, em parceria com o
público e os criadores. Mas, para isso,
é indispensável uma estrutura jurídica que favoreça a intenção e uma gestão que possibilite essa realização.
JORGE DA CUNHA LIMA, 76, jornalista e escritor, é presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e vice-presidente do Itaú Cultural.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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