São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Como ser uma Argentina

ROMA - A avaliação do presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o risco de o Brasil virar uma Argentina é uma daquelas situações feitas para criar tempestade em copo de água se a reação se der apenas em cima dos títulos dos jornais.
A frase do presidente daria imenso orgulho ao conselheiro Acácio, aquele das obviedades galopantes. A saber: "Se você não tiver competência -e eu não quero divulgar quem tem e quem não tem- e se não tiver respeitabilidade para fazer e coragem para tomar decisões difíceis, desanda", disse Fernando Henrique.
É o óbvio: sem competência, respeitabilidade e coragem, o país -qualquer país- pode virar não uma Argentina, mas um Afeganistão.
O importante na frase do presidente não é o que está dito, mas o que foi omitido. A Argentina ruiu não porque introduziu mudanças, mas porque o presidente Fernando de la Rúa quis manter o status quo.
Quis manter, acima de tudo, o câmbio fixo. Leia-se, por exemplo, o que escreve o Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, em artigo reproduzido no "O Estado de S. Paulo" do dia 13 passado:
"Era um sistema fadado ao fracasso. Taxas de câmbio fixas nunca funcionaram. Nem mesmo os EUA conseguiram conviver com uma taxa de câmbio fixa, saindo da âncora para o ouro no meio da Grande Depressão".
Quando convocou para o Ministério da Economia, no ano passado, o mesmo Domingo Cavallo que havia criado o modelo de câmbio fixo, De la Rúa estava demonstrando todas as condições que FHC vê como conducentes ao fracasso (falta de competência, de respeitabilidade e de coragem). Deu no que deu.
E ensina que, no Brasil pós-eleições, a melhor maneira de criar uma nova Argentina é não mexer em tudo o que está errado -e há um punhado de coisas a corrigir.
Pretender, como tática eleitoral, insinuar que qualquer mudança levará ao desastre é, aí sim, falta de coragem e de respeitabilidade.



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