São Paulo, sexta-feira, 23 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O tipo de cidadão que o Brasil precisa ter

DAVID FEFFER

OS TRISTES ACONTECIMENTOS do mês de maio na cidade de São Paulo trouxeram à tona, mais uma vez, discussões sobre investimentos que os governos precisam fazer em termos de segurança (objetivos imediatistas e paliativos) e em educação e programas sociais de inclusão (metas de médio e longo prazos sustentáveis). Mas dados recentemente divulgados sobre o Orçamento mostram que o governo tem reduzido o percentual de dotação de recursos para a educação.


Não podemos perder seguidas oportunidades de tratar a educação como investimento fundamental para um país como o nosso


Não cabe aqui discutir os critérios dessas alocações, mas tão somente pontuar que não podemos perder seguidas oportunidades de tratar a educação como investimento fundamental para um país como o nosso, que pretende se firmar entre as economias mais desenvolvidas do planeta.
As inovações tecnológicas acontecem em prazos sempre mais curtos e o tempo de "adoção" pela população é ainda menor. Até um operário de chão de fábrica ou um trabalhador do campo precisam ter um nível mínimo de formação para poder adquirir experiência nesse mundo competitivo.
A educação assume papel decisivo como contribuição para um processo sustentável de desenvolvimento econômico. Por outro lado, a desqualificação educacional servirá para gerar um clima de insegurança, pela falta de opções de sobrevida, e para atrair, no limite, empresas apenas interessadas em consumir a energia disponível ou as matérias-primas básicas, que não respeitam a natureza e que não valorizam as pessoas.
O Brasil precisa agir em duas frentes simultâneas se quiser uma posição de destaque no cenário mundial, se quiser ser peça de destaque entre os Brics e se quiser almejar um crescimento sustentável por vários anos. A primeira é "revolucionar" o ensino básico, de modo que seja possível eliminar o analfabetismo, inclusive funcional, e prover à totalidade dos adolescentes condições adequadas para que concluam o ensino fundamental. Já há experiências muito bem sucedidas, mesmo no Brasil, ainda que com pequeno raio de cobertura, que podem ser estendidas às escolas públicas de ensino básico do país, contribuindo para o resgate da cidadania de milhões de pessoas.
A outra frente a que me refiro tem um paralelo no conceito dos anos de "residência" que alunos de Medicina têm que fazer para completar sua formação e adquirir experiência prática, de forma monitorada. Por que não oferecer oportunidade semelhante para os formandos de outros cursos superiores, especialmente Direito, Sociologia, Economia e Administração? E por que não fazer isso envolvendo também o setor púbico nas três esferas políticas?
Penso que todas as Câmaras Municipais, todas as Assembléias Legislativas, a Câmara dos Deputados e o Senado poderiam estabelecer um determinado percentual, talvez algo ao redor de 25%, dos cargos a que cada representante tem direito para a concessão de "residência" a jovens recém-formados, nas mais diferentes especialidades. Esse período, de um ano por exemplo, seria fundamental para aquele cidadão brasileiro, que passaria a entender mais do nosso país e poderia começar sua vida profissional já com uma rica experiência.
Os políticos, de modo geral, vêm sofrendo críticas da população, muitas lideranças têm sido contestadas, o nível de admiração pelo trabalho legislativo tem se mantido em patamares baixos. Essa é a realidade em que vivemos; para mudá-la, é preciso oxigenar todo o sistema e os jovens formandos podem ser o "veículo" essencial nesse processo.
A "residência" sugerida contempla aspectos ligados à educação e ao alfabetismo funcional; valoriza tudo o que está atrelado às questões de cidadania; ressalta a importância dos legisladores. Por último, mas não menos importante, contribui para a "fabricação de líderes". E, tudo isso, sem onerar os cofres públicos, uma vez que estará inserido nas dotações já previstas nos Orçamentos, pelos cargos vinculados a cada legislador.
Essa interação da máquina pública com a sociedade, aqui representada por esses jovens universitários, pode ser mais um fator determinante para a transformação da nossa sociedade, com pessoas mais bem preparadas e com uma visão mais ampla do país.
Isso levará a melhorias de nossa competitividade e à redução dos índices de criminalidade.
Não podemos esperar mais. Está em nossas mãos decidir que tipo de cidadão o Brasil precisa ter.
DAVID FEFFER é presidente da Suzano Holding.


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