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TENDÊNCIAS/DEBATES
Qual é, ministros?
CLAUDIO WEBER ABRAMO
Desde a sua fundação, no ano de
2000, a Transparência Brasil tem
promovido campanhas de conscientização eleitoral, como fazem várias outras organizações. Os itens e mensagens
da campanha deste ano, denominada
Voto Limpo 2004, podem ser visitados
no sítio www.votolimpo.org.br. Em
particular, ali se encontram peças prontas que interessados em divulgar a campanha podem inserir em diversos tipos
de veículo, incluindo o rádio.
Tais peças transmitem mensagens como "Não vote em ladrão" e "Não venda
o seu voto". À primeira vista, essas parecem ser exortações razoáveis. O combate à corrupção nos Executivos municipais passa em primeiro lugar por evitar
eleger ladrões. E a oferta de compra de
votos por candidatos inescrupulosos é
um problema que afetou 6% do eleitorado brasileiro nas eleições de 2000, segundo levantamento da Transparência
Brasil.
Muito bem, a Radiobrás interessou-se
em aderir à campanha Voto Limpo, veiculando spots de rádio. Em má hora a
estatal dirigiu-se ao Tribunal Superior
Eleitoral, indagando se podia ou não
podia veicular os tais spots. Resposta do
ministro relator, Carlos Velloso:
"Nein", "nyet", "no way".
O exame do parecer do relator exibe
peculiaridades que fazem despertar dúvidas a respeito da sensatez com que
aquela corte exara suas decisões.
Deixando de lado aspectos formais do
parecer (trata-se de peça sem pé nem
cabeça, em que conclusões não se seguem de premissas e a aplicação da lógica é peculiar, para dizer o mínimo), o
fundamento da negativa do ministro
Velloso é o artigo 73, inciso VI, da lei nš
9.507/97.
O artigo em questão trata de proibições aos agentes públicos de participar
de condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos. O ministro Velloso também recorre
ao artigo 37 da Constituição, o qual afirma, entre outras cousas, que campanhas promovidas por órgãos públicos
deverão "ter caráter educativo, informativo ou de orientação social".
Quer dizer que, conforme o ministro,
dirigir-se ao eleitor para que ele não vote em ladrão e para que resista a ofertas
de compra de seu voto não teria caráter
educativo ou de orientação. Pior: tais
mensagens afetariam a igualdade de
oportunidades entre candidatos.
Um marciano que descesse à Terra
poderia, com bom grau de justificação,
deduzir que a opinião do ministro Velloso é a de que ladrões devem ter a mesma oportunidade de participar de eleições que candidatos honestos, o mesmo
ocorrendo com gente que compra votos. Mas talvez não devamos nós, terráqueos brasileiros, deduzir tudo isso. Seria implausível que tivesse sido isso o
que o ministro em questão quisesse dizer. O que é possível deduzir, sim, é que
o ministro Velloso assinou mais ou menos sem ver um papel que lhe foi colocado na frente por sua assessoria (sras.
Ana Letícia Lando e Eveline Caputo
Bastos Serra).
No despacho em que dá ciência à Radiobrás do parecer do relator, o ministro Sepúlveda Pertence, presidente do
TSE, afirma: "(...) a divulgação de campanha de informação ao eleitorado é
atividade inerente à Justiça Eleitoral,
que tem conscientizado o eleitorado
brasileiro em relação ao voto, através da
campanha denominada "Vota Brasil'".
Não consegui ouvir essas peças do
Tribunal Superior Eleitoral. Só espero
que nelas não se encontrem exortações
para que o eleitor vote em ladrão ou
venda o seu voto.
Claudio Weber Abramo, mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp, é diretor-executivo da Transparência Brasil (www.transparencia.org.br).
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