São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Qual é, ministros?

CLAUDIO WEBER ABRAMO

Desde a sua fundação, no ano de 2000, a Transparência Brasil tem promovido campanhas de conscientização eleitoral, como fazem várias outras organizações. Os itens e mensagens da campanha deste ano, denominada Voto Limpo 2004, podem ser visitados no sítio www.votolimpo.org.br. Em particular, ali se encontram peças prontas que interessados em divulgar a campanha podem inserir em diversos tipos de veículo, incluindo o rádio.
Tais peças transmitem mensagens como "Não vote em ladrão" e "Não venda o seu voto". À primeira vista, essas parecem ser exortações razoáveis. O combate à corrupção nos Executivos municipais passa em primeiro lugar por evitar eleger ladrões. E a oferta de compra de votos por candidatos inescrupulosos é um problema que afetou 6% do eleitorado brasileiro nas eleições de 2000, segundo levantamento da Transparência Brasil.
Muito bem, a Radiobrás interessou-se em aderir à campanha Voto Limpo, veiculando spots de rádio. Em má hora a estatal dirigiu-se ao Tribunal Superior Eleitoral, indagando se podia ou não podia veicular os tais spots. Resposta do ministro relator, Carlos Velloso: "Nein", "nyet", "no way".
O exame do parecer do relator exibe peculiaridades que fazem despertar dúvidas a respeito da sensatez com que aquela corte exara suas decisões.
Deixando de lado aspectos formais do parecer (trata-se de peça sem pé nem cabeça, em que conclusões não se seguem de premissas e a aplicação da lógica é peculiar, para dizer o mínimo), o fundamento da negativa do ministro Velloso é o artigo 73, inciso VI, da lei nš 9.507/97.
O artigo em questão trata de proibições aos agentes públicos de participar de condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos. O ministro Velloso também recorre ao artigo 37 da Constituição, o qual afirma, entre outras cousas, que campanhas promovidas por órgãos públicos deverão "ter caráter educativo, informativo ou de orientação social".
Quer dizer que, conforme o ministro, dirigir-se ao eleitor para que ele não vote em ladrão e para que resista a ofertas de compra de seu voto não teria caráter educativo ou de orientação. Pior: tais mensagens afetariam a igualdade de oportunidades entre candidatos.
Um marciano que descesse à Terra poderia, com bom grau de justificação, deduzir que a opinião do ministro Velloso é a de que ladrões devem ter a mesma oportunidade de participar de eleições que candidatos honestos, o mesmo ocorrendo com gente que compra votos. Mas talvez não devamos nós, terráqueos brasileiros, deduzir tudo isso. Seria implausível que tivesse sido isso o que o ministro em questão quisesse dizer. O que é possível deduzir, sim, é que o ministro Velloso assinou mais ou menos sem ver um papel que lhe foi colocado na frente por sua assessoria (sras. Ana Letícia Lando e Eveline Caputo Bastos Serra).
No despacho em que dá ciência à Radiobrás do parecer do relator, o ministro Sepúlveda Pertence, presidente do TSE, afirma: "(...) a divulgação de campanha de informação ao eleitorado é atividade inerente à Justiça Eleitoral, que tem conscientizado o eleitorado brasileiro em relação ao voto, através da campanha denominada "Vota Brasil'".
Não consegui ouvir essas peças do Tribunal Superior Eleitoral. Só espero que nelas não se encontrem exortações para que o eleitor vote em ladrão ou venda o seu voto.


Claudio Weber Abramo, mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp, é diretor-executivo da Transparência Brasil (www.transparencia.org.br).


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