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FERNANDO DE BARROS E SILVA
O Pretobrás é nosso!
SÃO PAULO - Chega de conversa
mole. Lero-lero, lero-lero, lero-lero.
Hoje aqui não tem política, tem cultura. Não tem eleição, tem Beleléu.
Não tem Petrobras, tem Pretobrás.
A obra de Itamar Assumpção
(1949-2003) acaba de ser reunida
na "Caixa Preta" (selo Sesc), com 12
CDs. Dois são inéditos. Recolhem
canções que Itamar deixou gravadas, com voz e violão, pouco antes
de morrer, aos 53 anos. Os produtores Beto Villares e Paulo Lepetit fizeram os arranjos e chamaram vários convidados. O que se ouve é pérola negra da cultura brasileira.
De 1980 a 2010, do Nego Dito ao
Pretobrás, pela primeira vez se pode ter a noção (e audição) de conjunto dessa obra extraordinária.
Escrevendo no encarte da "Caixa
Preta", Arnaldo Antunes diz que
Itamar tirava "o máximo do mínimo". E explica: "Itamar expandiu
os limites da canção, com novos
procedimentos (compassos irregulares, frases atonais, incorporação
da fala no canto, dissonâncias, mistura de gêneros, formações instrumentais inusitadas), que, conjugados ao apelo de melodias certeiras,
com algo de reggae, toada ou moda
de viola, e de um swing arrebatador, fizeram-no encarar o contraste
entre o popular e o experimental".
Não é sempre uma música palatável. Seus estranhamentos e a reflexão reiterada sobre si mesma solicitam dos "prezadíssimos ouvintes" uma atenção menos frouxa.
Não há lugar para inocência na
obra de Itamar. Ela nasce, na virada
dos anos 70/80, contemporânea à
de Arrigo Barnabé, desafiando a indústria do entretenimento que então se expandia. Antevia o rumo fácil que a cultura iria tomar e testava
os limites da canção popular num
ambiente policiado (não mais pela
ditadura, mas pelo mercado).
A teatralização da música, tão
marcante em Itamar e Arrigo, é um
recurso crítico, pelo qual eles -autores e personagens- são atores
denunciando a nós e a si mesmos.
Temos, enfim, a caixa-preta. Mas
ouça com cuidado, ouvinte hipócrita, semelhante meu, meu irmão!
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