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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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ELIANE CANTANHÊDE

O mal e o bom combate

BRASÍLIA - Certa vez, há poucos anos, um menininho aproveitou o sinal fechado e se debruçou na janela do meu carro, ameaçadoramente. Sujo, fedido, não passava de um toco de gente. E eu morri de medo dele.
Nunca esqueci aquele menininho, o medo, a culpa enorme -pela desigualdade, pela falta de perspectiva, pelo que estamos fazendo com as nossas crianças. E a culpa pelo medo, por sentir medo.
A cada crime bárbaro que envolve menores, começa essa histeria pela redução da maioridade penal para 16 anos. Amanhã para 10? Ou 8? Que tal cortar o mal pela raiz e impedir o nascimento dessa gentalha?
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) está completando 13 anos, tão esquecido e tão vilipendiado, coitado. Mas não custa lembrar algumas de suas, digamos, pregações:
1) "(...) assegurando-se-lhes (...) todas as oportunidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade";
2) "É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade (...)";
O que sempre me pergunto é por que, então, a histeria não é pelo ECA. Ou por empregos, salários, boas condições de vida, educação digna, justa distribuição de renda. Que tal se ficássemos todos histéricos, cobrando tudo isso para as nossas crianças hoje jogadas às ruas, à fome, ao trabalho escravo, à prostituição, à morte?
Discutir a questão dos menores que cometem crimes hediondos é razoável. Mas sem que, a cada assassinato bárbaro, tenhamos de aderir à onda: redução da maioridade penal, pena de morte, trucidar menores tão vítimas quanto suas vítimas.
Mesmo que o mundo inteiro e a maioria dos brasileiros sejam a favor disso, eu serei contra. E não posso esperar nada diferente de um governo do PT. Princípios, sim. Aderir a maiorias por conveniência, jamais.



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