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RUY CASTRO
Dilemas
RIO DE JANEIRO - A mão de
Thierry Henry conduzindo a bola, a
resultar no gol que classificou a
França para a Copa do Mundo de
2010, tem permitido aos franceses
praticar seu esporte favorito: a discussão ética, moral, filosófica. No
caso, discute-se em Paris se a lisura,
a verdade e o direito não seriam
mais importantes do que a vibração
nacional pelo resultado do jogo,
aliás, imerecido.
Na França, toda discussão contrapõe teoria e prática, pensamento
e ação, ideal e realidade. Já era assim na Revolução de 1789, em que o
dístico "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" foi esculachado de saída
e, mais ainda, durante o Terror
(1792-1794). As poucas cabeças que
escaparam da guilhotina se perguntavam se não havia ali uma contradição em termos. Sem falar na discussão mais profunda, sobre se liberdade e igualdade seriam politicamente compatíveis.
Na Segunda Guerra, a mesma coisa: como a Alemanha poderia ter
ocupado o país com uns poucos soldados e agentes sem um alto colaboracionismo do povo francês? Estabelecido tal colaboracionismo, os
pensadores, entre eles Jean-Paul
Sartre, extrapolaram para perguntar o que seriam a covardia, o oportunismo e, no geral, a natureza humana.
O mesmo Sartre, em 1947, foi
convidado pela Gallimard a escrever um pequeno prefácio para uma
edição da poesia de Baudelaire. Sartre aceitou e sentou-se para escrever. Mas se empolgou e, quando se
levantou da cadeira, tinha produzido mil páginas sobre a "alteridade"
do poeta. O jeito foi a Gallimard publicar seu texto como um ensaio gigante e incluir no fim a obra de Baudelaire -como apêndice.
Isso explica um habitual dilema
dos franceses a respeito de alguma
novidade que lhes caia às mãos, seja
um conceito, seja um objeto: "Na
prática, funciona. Mas funcionará
na teoria?".
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