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CLÓVIS ROSSI
O risco-país, o de verdade
SÃO PAULO - O risco-país caiu anteontem a seu nível mais baixo de
todos os tempos, certo? Certo apenas para a pátria financeira. No
Brasil real, transfiro a análise de risco-país para o pungente grito d'alma da cantora Joyce, lançado há
uma semana em seu blog.
"Eu deveria estar falando aqui
das alegrias que a gravação de um
novo disco tem-me dado. Da música, dos músicos, do som, tudo de
bom. Mas hoje não dá, hoje não posso.
Até aqui cheguei. Esta não é mais
a minha cidade, este não é mais o
meu país. Este não é mais o meu lugar no mundo, como eu pensava
que fosse. O Rio de Janeiro que
amamos, e pelo qual trocamos as
mais tentadoras ofertas de vida em
outras paragens, não é mais a cidade onde eu pretendia envelhecer e
morrer. O Rio era do Tom (...). O Rio
era meu também, não é mais.
Hoje, pela primeira vez em muitos anos, pensamos seriamente em
ir embora. P'ra onde, não sabemos,
mas dentro do Brasil não será. Pois
o Rio é a vanguarda de tudo, e o que
acontece aqui hoje vai acontecer
amanhã ali mais adiante. Minha casa está em perigo. Minha família
também. Tom tem 14 anos e meio e
começou a sair sozinho na rua há
um ano.
Já foi assaltado duas vezes, felizmente sem maiores conseqüências
-mas não posso achar que isso seja
normal. Um adolescente tem de ter
o direito de ter uma cidade para
chamar de sua, conhecer suas ruas e
seus caminhos, ir p'ra escola e voltar p'ra casa sem que nenhum mal
lhe aconteça. Tenho visto adultos
fazendo o sinal-da-cruz ao sair de
casa, como antigamente eu só via as
pessoas fazendo ao entrar no mar
ou no palco, que são sabidamente
lugares de risco.
Não se trata mais apenas de violência e crime. Atravessamos a
fronteira da humanidade, da civilização, do inominável. A treva tomou conta da luminosa e inútil paisagem. Minha alma chora."
crossi@uol.com.br
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