São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Estado e criminalidade
MARCO ANTONIO RODRIGUES NAHUM
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais manifesta, neste momento, como não poderia deixar de manifestar, seu profundo pesar pelo assassinato do magistrado dr. Antônio José Machado Dias, juiz-corregedor da região de Presidente Prudente, e se solidariza, neste momento tão sofrido, com sua família, cuja dor por sua perda jamais poderemos aquilatar ou diminuir. É de todo necessário que as autoridades policiais do Estado façam uma rigorosa investigação, a fim de apurar as causas e os motivos da ação criminosa que não só levou àquela morte, como vem causando à nossa sociedade perdas de vidas que, muitas vezes, restam esquecidas no anonimato. Sente, porém, o mesmo IBCCrim ser de seu dever enfatizar que a questão do crime organizado -que, por sinal, está inapropriadamente tipificado no direito penal brasileiro- não se resume, com exclusividade, à violência desregrada de grupos formados para a prática ostensiva de delitos, pois ele também se caracteriza por sua íntima conexão com o problema da corrupção, o que envolve a participação de agentes do Estado em tais nefandas práticas. A infiltração do crime organizado na intimidade dos próprios poderes republicanos tem o óbvio condão de torná-los inoperantes, de forma a criar impunidade, que já se encontra em nível insuportável. Discutir em profundidade essa matéria torna-se, portanto, providência inadiável, como não padece dúvida. Entretanto, entendemos que não será em clima de emocionalismo e de irracionalidade, que os meios de comunicação já começam a emprestar à problemática do crime organizado, que se tornará possível enfrentá-la com eficácia. Uma vez mais mostra-se pertinente a afirmação de que a criação de figuras criminais típicas, com penas exacerbadas, ou de uma atmosfera repressiva ao arrepio dos princípios constitucionais que regem o Estado democrático de Direito não bastam para conduzir à transformação substancial dessa realidade. É da experiência de todos nós que a demanda por mais e mais penas não produziu a redução da taxa de incidência de delitos que os arautos dessa filosofia repressora aguardavam. Os crimes hediondos aumentam em quantidade assustadora, não obstante a gravidade das sanções cominadas; a tortura continua a existir de modo crescente, sem que nenhuma autoridade lhe ponha termo; os homicídios realizados por grupos de extermínio, denunciados pela imprensa, são praticados sem nenhum tipo de punição; e a corrupção dá mostras de sua presença em todas as áreas dos Poderes do Estado. O IBCCrim entende ser este momento uma extraordinária oportunidade para que se discutam, com seriedade, a violência e a corrupção, que estão ínsitas no conceito de crime organizado, e se põe à disposição de nossas autoridades para tratar dessa matéria, com a seriedade que um tema dessa importância exige. Não concorda, portanto, que o fato gerador da presente situação sirva de pretexto para legitimar agressões à Constituição e à Lei de Execução Penal ou para deixar em plano secundário a apuração de fatos extremamente graves atribuídos às autoridades judiciárias, policiais civis e policiais militares do Estado de São Paulo, tais como os que envolveram a chamada "Operação Castelinho", patrocinados por grupo especial da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (Gradi), e a atuação de grupos de extermínio, também envolvendo policiais civis e militares, como os que teriam ocorrido nas cidades de Ribeirão Preto e de Guarulhos e que culminaram com o afastamento do delegado-corregedor da Polícia Civil. Recordando Tristão de Ataíde, o grande advogado dos direitos humanos, esperamos que o estudo de um tema de tanta relevância se faça sem a arrogância dos fanáticos, sem a violência dos medíocres e sem a implacabilidade dos primários. Marco Antonio Rodrigues Nahum, 58, juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, é presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Roberto Teixeira da Costa: Comando Vermelho, PCC e as ONGs do mal Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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