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CLÓVIS ROSSI
Memórias de sangue e de juros
SÃO PAULO - Na madrugada de 24 de março de 1976, há exatos 30 anos
portanto, eu estava na praça de Maio
vendo decolar do teto da Casa Rosada o helicóptero que levava a presidente Maria Estela Martínez de Perón. Estava deposta e presa, mas não
sabíamos.
Pouco mais tarde, ouvi o assustador ruído das lagartas dos tanques
comendo o asfalto da avenida Corrientes rumo à Casa Rosada, enquanto escrevia no escritório do notável jornalista e companheiro Flávio
Tavares, então correspondente do
jornal mexicano "Excelsior".
Flávio havia sido preso e torturado
no Brasil. Depois de trocado pelo embaixador norte-americano seqüestrado por Fernando Gabeira e seus
pares da luta armada, fora banido.
Na volta, sugeri sua contratação ao
"Estadão", onde então trabalhava.
Foi contratado, mas tinha de escrever
com um pseudônimo.
Ter sido -e continuar sendo- testemunha ocular da história do meu
tempo tem vantagens e desvantagens. A vantagem é ver que as condições institucionais melhoraram enormemente. Para ficar só em Flávio e
Gabeira: são livres hoje para fazer o
que bem entendem.
Duro é verificar que o projeto econômico subjacente ao regime militar
que ensangüentou a Argentina foi vitorioso, apesar da derrota política
que ele e os seus congêneres sofreram
na década seguinte.
Pior: o projeto foi (e/ou continua a
ser) implementado por vítimas dos
regimes militares. Por presos como
Carlos Saúl Menem, na Argentina,
ou por perseguidos como Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula
da Silva, no Brasil.
Um projeto que tornou hegemônica
o que os argentinos chamam de "pátria financiera". Ou, concretamente,
um projeto que dá às 20 mil famílias
que são, no Brasil, a "pátria financiera", R$ 105 bilhões anuais como pagamento de juros enquanto para 8
milhões de famílias ficam magros R$
7 bilhões das bolsas-esmola.
Para que tanques se o Banco Central pode fazer o trabalho sem derramar sangue?
@ - crossi@uol.com.br
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