São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2006

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CLÓVIS ROSSI

Memórias de sangue e de juros

SÃO PAULO - Na madrugada de 24 de março de 1976, há exatos 30 anos portanto, eu estava na praça de Maio vendo decolar do teto da Casa Rosada o helicóptero que levava a presidente Maria Estela Martínez de Perón. Estava deposta e presa, mas não sabíamos.
Pouco mais tarde, ouvi o assustador ruído das lagartas dos tanques comendo o asfalto da avenida Corrientes rumo à Casa Rosada, enquanto escrevia no escritório do notável jornalista e companheiro Flávio Tavares, então correspondente do jornal mexicano "Excelsior".
Flávio havia sido preso e torturado no Brasil. Depois de trocado pelo embaixador norte-americano seqüestrado por Fernando Gabeira e seus pares da luta armada, fora banido. Na volta, sugeri sua contratação ao "Estadão", onde então trabalhava. Foi contratado, mas tinha de escrever com um pseudônimo.
Ter sido -e continuar sendo- testemunha ocular da história do meu tempo tem vantagens e desvantagens. A vantagem é ver que as condições institucionais melhoraram enormemente. Para ficar só em Flávio e Gabeira: são livres hoje para fazer o que bem entendem.
Duro é verificar que o projeto econômico subjacente ao regime militar que ensangüentou a Argentina foi vitorioso, apesar da derrota política que ele e os seus congêneres sofreram na década seguinte.
Pior: o projeto foi (e/ou continua a ser) implementado por vítimas dos regimes militares. Por presos como Carlos Saúl Menem, na Argentina, ou por perseguidos como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil.
Um projeto que tornou hegemônica o que os argentinos chamam de "pátria financiera". Ou, concretamente, um projeto que dá às 20 mil famílias que são, no Brasil, a "pátria financiera", R$ 105 bilhões anuais como pagamento de juros enquanto para 8 milhões de famílias ficam magros R$ 7 bilhões das bolsas-esmola.
Para que tanques se o Banco Central pode fazer o trabalho sem derramar sangue?

@ - crossi@uol.com.br


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