São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2004

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CLAUDIA ANTUNES

Entre céticos e ufanistas

RIO DE JANEIRO - Entre as reações provocadas pela viagem de Lula à China, dois extremos sobressaem.
Existem os que, no embalo de um certo ufanismo da propaganda governamental na TV, vêem nos negócios e na parceria com o "gigante" asiático a salvação da lavoura. No pólo contrário, há os céticos, sinceros ou interessados, para os quais a caravana brasileira não passa de uma fuga, uma tentativa de exaltar por intermédio da política externa êxitos que andam em falta dentro do país.
As duas reações exploram um diagnóstico que tanto Lula quanto seu antecessor já fizeram dos brasileiros: para o presidente, somos um povo com baixa auto-estima; para FHC, somos caipiras. (Curioso é que, às vezes, Lula mostra pouca auto-estima, como na reação desmedida à matéria ridícula do jornalista do "NYT", enquanto FHC, provincianamente, olha o próprio umbigo quando solta ironias sobre um suposto excesso de ousadia na diplomacia atual.)
Do lado dos céticos, predominam dúvidas em relação à influência possível do Brasil no mundo. O país só responde por 1% das exportações mundiais, perdeu há algum tempo o posto de 10ª economia e não é uma potência militar. Não dispõe, portanto, de recursos de poder para liderar nenhuma articulação internacional e está fadado a levar em algum momento uma rasteira dos chineses.
Já os eufóricos se apegam à expectativa de uma força exterior que nos tire do atraso ou nos venda barato a fórmula do progresso, com a China tomando o lugar que alguma vez já foi da Europa, dos EUA ou dos investimentos estrangeiros em geral.
Oscilar entre esses dois estados de espírito tem sido uma forma bem brasileira de não sair do conformismo. Mas, nesse caso, não tem jeito: a longo prazo, a política externa e a interna só dão certo quando se complementam e se combinam. Se o país quiser ver resultados duradouros da expedição ao Oriente, terá de apostar mais alto também aqui dentro.



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