São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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MARCIO AITH

A coerência de O'Neill

Mesmo sendo um desastre, é coerente a declaração do secretário do Tesouro dos EUA, Paul O'Neill, contrária a uma nova ajuda do FMI ao Brasil. O secretário mostra que ao menos uma das promessas de campanha do presidente George W. Bush sobreviveu incólume à realidade.
Como candidato, Bush prometeu reduzir a intervenção militar dos EUA no mundo. Devido aos atentados de 11 de setembro de 2001, foi obrigado a lançar uma ofensiva bélica e a redigir, às pressas, duas ou três ameaças que ganharam o nome de "Doutrina Bush".
O candidato prometeu ainda que não cairia na tentação de "construir nações" ("nation building"), tirando dos EUA o papel de criar ministérios, instituições e sociedades civis em outros países. Acabou reinventando o Afeganistão.
Bush prometeu que abriria as fronteiras dos EUA a produtos estrangeiros. Acabou transformando-se em ícone do protecionismo.
Diferentemente, seus planos para o FMI estão sendo cumpridos. Bush prometeu que se esforçaria para acabar com os pacotes do Fundo e é isso que está fazendo. Além disso, o secretário O'Neill mostra realmente acreditar em sua idéia de que "contágio financeiro" não é um risco real para a economia mundial, mas uma ficção criada por banqueiros para tirar dinheiro fácil dos contribuintes norte-americanos (os bombeiros e encanadores frequentemente mencionados pelo secretário), via FMI.
O Fundo mudou definitivamente sua forma de atuação, como prova o caso argentino. Salvo exceções geopolíticas (Turquia e Paquistão) e empréstimos que a Casa Branca achava que não seriam sacados (os US$ 15 bilhões disponibilizados para o Brasil em setembro de 2001), as linhas de crédito do Fundo secaram.
Guru da equipe econômica de Bush, o professor Allan Meltzer, da Universidade de Carnegie Mellon, na Pensilvânia, diz que essa política tem sido um "sucesso", apesar das turbulências recentes no Brasil.
"O Brasil não foi vítima de contágio. O senhor sabe muito bem que os problemas do país começaram quando Lula assumiu uma liderança sólida nas pesquisas eleitorais e o candidato do governo, Serra, ficou para trás. Até então, a dívida pública do país parecia manejável. Se Lula ganhar as eleições, não seria razoável esperar mudanças nas expectativas de mercado com relação às políticas econômicas brasileiras? E sobre a dívida? Eu esperaria."
Num esforço para traduzir O'Neill, Meltzer diz ser inútil oferecer mais dinheiro ao país nessa situação. "Se, como eu acredito, a dívida pública do Brasil tornou-se um problema devido a preocupações políticas, não há muito que o FMI ou que o governo brasileiro possam fazer para reassegurar emprestadores."


Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Boris Fausto, que escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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