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MARCIO AITH
A coerência de O'Neill
Mesmo sendo um desastre, é
coerente a declaração do secretário do Tesouro dos EUA, Paul
O'Neill, contrária a uma nova ajuda
do FMI ao Brasil. O secretário mostra
que ao menos uma das promessas de
campanha do presidente George W.
Bush sobreviveu incólume à realidade.
Como candidato, Bush prometeu
reduzir a intervenção militar dos EUA
no mundo. Devido aos atentados de 11
de setembro de 2001, foi obrigado a
lançar uma ofensiva bélica e a redigir,
às pressas, duas ou três ameaças que
ganharam o nome de "Doutrina
Bush".
O candidato prometeu ainda que
não cairia na tentação de "construir
nações" ("nation building"), tirando
dos EUA o papel de criar ministérios,
instituições e sociedades civis em outros países. Acabou reinventando o
Afeganistão.
Bush prometeu que abriria as fronteiras dos EUA a produtos estrangeiros. Acabou transformando-se em
ícone do protecionismo.
Diferentemente, seus planos para o
FMI estão sendo cumpridos. Bush
prometeu que se esforçaria para acabar com os pacotes do Fundo e é isso
que está fazendo. Além disso, o secretário O'Neill mostra realmente acreditar em sua idéia de que "contágio financeiro" não é um risco real para a
economia mundial, mas uma ficção
criada por banqueiros para tirar dinheiro fácil dos contribuintes norte-americanos (os bombeiros e encanadores frequentemente mencionados
pelo secretário), via FMI.
O Fundo mudou definitivamente
sua forma de atuação, como prova o
caso argentino. Salvo exceções geopolíticas (Turquia e Paquistão) e empréstimos que a Casa Branca achava
que não seriam sacados (os US$ 15 bilhões disponibilizados para o Brasil
em setembro de 2001), as linhas de
crédito do Fundo secaram.
Guru da equipe econômica de Bush,
o professor Allan Meltzer, da Universidade de Carnegie Mellon, na Pensilvânia, diz que essa política tem sido
um "sucesso", apesar das turbulências
recentes no Brasil.
"O Brasil não foi vítima de contágio.
O senhor sabe muito bem que os problemas do país começaram quando
Lula assumiu uma liderança sólida
nas pesquisas eleitorais e o candidato
do governo, Serra, ficou para trás. Até
então, a dívida pública do país parecia
manejável. Se Lula ganhar as eleições,
não seria razoável esperar mudanças
nas expectativas de mercado com relação às políticas econômicas brasileiras? E sobre a dívida? Eu esperaria."
Num esforço para traduzir O'Neill,
Meltzer diz ser inútil oferecer mais dinheiro ao país nessa situação. "Se, como eu acredito, a dívida pública do
Brasil tornou-se um problema devido
a preocupações políticas, não há muito que o FMI ou que o governo brasileiro possam fazer para reassegurar
emprestadores."
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Boris Fausto, que escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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