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FERNANDO GABEIRA
Princípio esperança
RIO DE JANEIRO - Morreu
Leszek Kolakowski. Foi um grande
personagem do século 20. Enquanto muitos de nós nos seduzíamos
pelo marxismo, nos anos 60, ele
partia para o exílio na Inglaterra.
Crime? Escreveu uma severa crítica ao marxismo. Não separava
uma teoria generosa de seus desastres históricos. Dizia que eles decorriam da própria teoria. Sua trajetória para o exílio se deu num período ofuscante. Mas anos depois,
quando o Solidariedade assumiu o
poder na Polônia, foi reconhecido
como um grande inspirador daquela passagem histórica. Será enterrado com honras, no seu país.
Kolakowski considerava que era
preciso sempre questionar. Até a si
próprio. Que filósofo não se sentiu
nunca um charlatão? Alguns textos
mais recentes indicam que tendia a
aceitar a inescapabilidade da religião como cultura.
Nisso, também é atual. Há um
grande debate sobre Deus e religiões, na esteira de livros como os
de Christopher Hitchens e Richard
Dawkins, propondo uma superação
dessas crenças. Mas existem deslumbramentos diante da inteligência humana e da natureza. Existe
esperança num quadro em que o cinismo parece ser o mais racional.
São componentes religiosos que ganham forma mais leve na frase de
Christopher Lasch: não acredito no
catolicismo, sou apenas praticante.
Apesar de sua reclamada postura
científica, o socialismo teve inúmeros pontos de contato com a religião. Não só por despertar sonhadores do absoluto buscando um futuro luminoso. Mas também pelas
tentativas de filósofos marxistas de
abordar a esperança.
Aliás, esperança é o que sobrou
de melhor. A morte de Kolakowski,
nesse início de recesso, me lembra
um dever de casa com o século passado. Terminar minha leitura do
"Princípio Esperança", de Ernst
Bloch, um calhamaço que olhado de
perfil, às vezes desanima.
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