São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JUSTIFICATIVA VOLÁTIL

É bastante interessante a reportagem do diário norte-americano "The New York Times" publicada no domingo passado que mostra como os Estados Unidos apoiaram o governo do Iraque durante a guerra contra o Irã (1981-1988), mesmo sabendo que Bagdá estava utilizando armamento químico contra as forças adversárias.
Oficialmente, autoridades da administração Ronald Reagan (1981-1988) criticavam asperamente a utilização de gases tóxicos por ambas as partes no conflito; na prática, porém, o governo continuou a oferecer auxílio logístico ao Iraque. É eloquente a esse respeito a declaração do coronel Walter P. Lang, hoje na reserva e à época o oficial mais graduado da Agência de Inteligência da Defesa (DIA), o órgão que mantinha o programa secreto de cooperação com o Iraque: "O uso de gás nos campos de batalha pelos iraquianos não era uma questão que provocasse profundas preocupações estratégicas".
Os Estados Unidos não suspenderam o apoio nem mesmo quando o Iraque usou armas químicas contra sua própria população civil, no episódio que ficou tristemente conhecido como massacre de Halabja. Em março de 1988, forças iraquianas despejaram gases venenosos sobre separatistas curdos no norte do país.
Àquela altura, a prioridade da Casa Branca era evitar que o Iraque perdesse a guerra para o Irã, o que poderia colocar em risco vários Estados produtores de petróleo do golfo Pérsico. Hoje, o presidente George W. Bush e seus auxiliares afirmam repetidamente que uma das razões que exigem a derrubada de Saddam Hussein do poder é o fato de o ditador iraquiano já ter usado armas químicas na guerra contra o Irã.
Que a política externa de potências como os Estados Unidos se faça com dois pesos e duas medidas, não chega a ser uma novidade. Mas é raro que se obtenha uma prova tão contundente quanto a proporcionada pela reportagem do jornal nova-iorquino de que o discurso de autoridades governamentais de Washington não corresponde à prática, de que os interesses econômicos se sobrepõem a tudo o mais.


Texto Anterior: Editoriais: ALVOROÇO NO NINHO
Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Consenso com "sopão"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.