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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Obituários

RIO DE JANEIRO - Quando encontraram o corpo de Stálin no chão, vitimado pelo ataque mortal, os dirigentes da antiga União Soviética se reuniram e decidiram nada revelar ao povo. Havia o receio de que houvesse um suicídio em massa, pois "o sol não iria nascer no dia seguinte". Foi essa a explicação dada pelo seu sucessor.
Acontece que o sol nasceu. E, para o bem ou para o mal de todos nós, continua nascendo até hoje.
Mas, quando morre um notável, muita gente teme que no dia seguinte haverá a treva definitiva, o fim de todos e de tudo.
Nada a ver com recentes obituários, mais do que merecidos por sinal. Quando Chagall morreu, um fotógrafo que trabalhava comigo me telefonou com voz trêmula: "E agora? O que será de nós?". Eu ainda não havia tomado conhecimento de que o pintor morrera. Pensei que o fotógrafo e eu havíamos feito alguma besteira e estávamos demitidos.
A 24 de agosto de 1954, há 49 anos, ao ouvir pelo rádio que Getúlio Vargas se suicidara, minha primeira providência foi olhar para o céu, ver se o Sol estava no devido lugar. Pelo menos aqui no Rio, o dia estava nublado, ou "plúmbeo", se fosse na Bahia. Mas dava para perceber que tudo continuava como antes, o Sol acima das nuvens, apesar de aquele tiro no Palácio do Catete ter provocado o clarão de um raio que fulminava o Brasil.
Sócrates também se suicidou, quer dizer, foi obrigado a suicidar-se, César foi assassinado e Elvis Presley parece que nem morreu. Não mudaram a face da Terra nem a história do mundo, apenas provaram que a vida é mesmo mortal, a morte é que é vital, como dizia santo Agostinho, que sempre gosto de citar.
Já que entramos nas citações, embora fúnebres, não custa lembrar o obituário que Stendhal, em forma de epitáfio, escreveu para si mesmo: "Escreveu. Viveu. Amou".
Como dizem os italianos: e basta!


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