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São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Medicina brasileira e médicos estrangeiros

GIOVANNI GUIDO CERRI

A liderança científica de países desenvolvidos é exercida pela produção de conhecimento e pela formação de recursos humanos. Esta formação é essencial para a multiplicação de ações de ensino e pesquisa e reverte para o progresso da ciência.
Com a evolução da medicina brasileira, a partir da década de 70, o país passou a exercer uma liderança regional, sendo o mais procurado por médicos de países latino-americanos para fazerem cursos de aprimoramento em diversas especialidades. A procura deveu-se à reconhecida excelência de instituições brasileiras, aliada a fatores geográficos, linguísticos e culturais.
Centenas de médicos realizaram sua residência, especialização e pós-graduação "stricto sensu" (doutorado e mestrado) nas nossas universidades e hospitais, criando vínculos científicos que geraram pesquisas, intercâmbios e multiplicação dessas ações em nível continental. Criou-se uma escola médica brasileira com discípulos em vários países latino-americanos, exportando nosso modelo e difundindo a qualidade da nossa medicina pelo continente.


O nosso país não poderia se furtar da sua parcela de colaboração para o desenvolvimento da medicina


Há três anos, infelizmente, esse fluxo foi praticamente interrompido. Em razão da prolongada crise que atingiu os países da América Latina, um número não determinado de médicos, que vinham ao país para se aperfeiçoar, não retornava às suas nações de origem e acabava exercendo ilegalmente a medicina aqui. Sua permanência era possibilitada por um registro provisório de exercício profissional, emitido com a finalidade de permitir o adequado treinamento em serviço.
Pelos problemas gerados por esse tipo de exercício, foi emitida uma resolução pelo Conselho Federal de Medicina que restringia a possibilidade de treinamento ativo do médico estrangeiro, exceto quando fosse portador de registro permanente nos conselhos regionais. Essa medida praticamente inviabilizou que médicos estrangeiros pudessem exercer a medicina em instituições brasileiras, impossibilitando treinamento adequado em cursos de especialização em áreas clínico-cirúrgicas -nos quais o treinamento em serviço é essencial.
Após intenso debate, foi publicada, recentemente, nova resolução do Conselho Federal de Medicina (nš 1.669/ 2003), que dispõe sobre o exercício profissional e os programas de pós-graduação do médico estrangeiro e do médico brasileiro formado por faculdade estrangeira. Essa resolução nasceu do debate construtivo entre o CFM, que rege a atividade médica, e os hospitais universitários, que realizam o treinamento desses profissionais. Foi muito importante na discussão, conforme consta na resolução aprovada, a reunião conjunta de 6 de maio de 2003, entre o CFM e a Congregação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que propiciou a elaboração de um texto que possibilitasse a harmonização dos interesses do exercício da medicina e do treinamento de estrangeiros.
A diretoria do Conselho Federal de Medicina entendeu a importância da liderança do Brasil na formação de recursos humanos para os países da América Latina e na contribuição para a melhoria da qualidade da saúde e na repercussão social. O nosso país não poderia se furtar da sua parcela de colaboração para o desenvolvimento da medicina, assim como outros países desenvolvidos colaboraram no passado, e ainda colaboram, com a formação de nossos médicos.
O que é de fato relevante é a possibilidade de o médico estrangeiro voltar a ser treinado nos hospitais universitários que possuam condições adequadas para esse fim, ligados obrigatoriamente a instituições de ensino superior que mantenham programas de residência médica nas mesmas áreas, credenciadas pela Comissão Nacional de Residência Médica, do Ministério da Educação.
Também é importante que continue o diálogo entre o CFM e a universidade, que possibilitou essa solução altamente satisfatória para a medicina brasileira e para os países do continente, com os quais temos e procuramos ampliar os laços de amizade, cultura e desenvolvimento.

Giovanni Guido Cerri, 49, é diretor da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas.


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