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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Na língua do rap
SÃO PAULO - Pedro Paulo Soares
da Silva, o Mano Brown, estará hoje
à noite no centro do "Roda Viva", na
TV Cultura. É um acontecimento.
Estamos habituados à figura do
pagodeiro sorridente confraternizado com platéias igualmente dóceis em programas de auditório. O
líder dos Racionais é o oposto disso,
uma pessoa de poucos sorrisos e
nenhuma concessão, avessa aos encantos da fama e apelos da mídia.
Brown quase nunca fala, mas sabe a quem se dirige: "Eu não me
preocupo com a classe média. Eu
me preocupo é com favelado, com
pobre, periferia. (...) Quando você
vê o cara xingar muito o burguês, é
porque quer que o burguês compre.
O rap não apavora ninguém. A classe média já é apavorada por natureza. O rap é só a trilha sonora do
mundo em que a gente vive. O mundo já é apavorante".
O trecho da entrevista, de 2001,
consta do ótimo ensaio "A Frátria
Órfã - o Esforço Civilizatório do
Rap na Periferia de São Paulo", da
psicanalista Maria Rita Kehl. Diz
ela que a "capacidade de produzir
uma fala significativa e nova sobre a
exclusão" faz do grupo "o mais importante fenômeno musical de
massas do Brasil dos anos 90".
Acredito que não exagera.
Não se trata, é óbvio, de idealizar
os Racionais. É preciso ouvir as
contradições que explicitam, entender inclusive o que há de regressivo nessa música (misoginia e
messianismo, por exemplo). Mas
não venham os defensores da sociedade armada acusar os pretos pobres de fazer apologia da violência.
Os Racionais reagem a um fim de
linha social de que são parte. Os manos -essa legião de garotos da periferia- são resultado histórico de
pelo menos 25 anos de semi-estagnação econômica associada ao abismo intocado da desigualdade.
Educação precária, famílias destroçadas, desemprego, tráfico de
drogas, alcoolismo e violência contracenam, na periferia, com uma
época que multiplicou os apelos do
consumo e fez da ostentação uma
forma de afirmação do indivíduo.
Como já diziam em 1990 os Racionais, eis o "Holocausto Urbano".
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