São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 2008

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RUY CASTRO

Erros contra ou a favor

RIO DE JANEIRO - De repente, jornais e revistas deram para escrever que tal livro ou peça "é sofrível", querendo dizer que é péssimo, chatérrimo -que faz o espectador sofrer. Mas "sofrível", como sabem os que não faltaram àquela aula, significa o contrário. É o que, não sendo grande coisa, ainda é suportável. Ou, segundo o "Aurélio", "razoável; acima de mediano". Enfim: sofrível.
Outra mania é a de chamar um filme de "longa". Como se houvesse um surto de "curtas" na praça, a ponto de se precisar distingui-los dos filmes comuns, de uma hora e meia, classificando estes de "longas". Mas longas de verdade eram "E o Vento Levou", "El Cid" ou "Cleópatra", com três, quatro horas de duração, e mais o "Canal 100". Sei de gente que morreu de velhice durante a sessão. E morreu feliz.
Pelo mesmo motivo, jogos (de futebol) deixaram de ser chamados de jogos e se tornaram "duelos" ou "desafios". Fico imaginando um duelo a floretes no grande círculo do Maracanã entre Obina, do Flamengo, e Richarlyson, do São Paulo, com o juiz trilando o apito final ao primeiro sangue. Ou um desafio repentista entre Alan Kardec, do Vasco, e Maicosuel, do Palmeiras, reeditando a peleja do Cego Aderaldo contra o Zé Pretinho, em Pimenteira, no Piauí.
São vícios de escrita, espero que temporários. Um que ainda está limitado aos locutores de basquete ou vôlei é dizer que o time xis "se personalizou" em quadra -ou seja, reagiu, ganhou "personalidade". De onde tiraram esse verbo?
Tudo bem, é a "contribuição milionária de todos os erros", como dizia o outro. Mas só se deviam admitir os erros a favor da língua. Como o proposto, outro dia, por meu amigo Jorge, do Andaraí. A certa altura da conversa e do feijão com pé de porco, ele me interrompeu dizendo, "desculpe intervi-lo, mas...". Gostei, vou adotar.


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