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CARLOS HEITOR CONY
Verde ou amarelo
RIO DE JANEIRO - Assisti a alguns debates dos presidenciáveis.
Houve agressividade de parte a parte, mas ninguém beijou a lona. O
conteúdo era chato, e meu pensamento resvalou para outras coisas.
Na véspera do acidente que levou o
Titanic para o fundo do oceano,
houve uma reunião no salão nobre
do navio a fim de se escolher a cor
que deveria predominar no baile
que os passageiros estavam programando para a noite anterior à chegada ao porto final. Ignoro se houve
primeiro turno.
Havia dois grupos: um a favor do
amarelo, outro a favor do verde. Registrou-se um empate técnico. Chamaram o comandante do navio para desempatar. Àquela hora, seguramente, o iceberg que arrebentaria o navio já estava em rota de colisão com o casco do Titanic. O comandante ficou em cima do muro:
os passageiros podiam vir de amarelo ou de verde.
Não sei se o intróito desta crônica
tem mesmo a ver com o que desejo
comentar. Nasci nu, como todo
mundo, mas, antes mesmo dos primeiros abrolhos pela vida afora,
vesti-me de pessimismo. Sei, o pessimismo é inútil, conheço todas as
frases que o condenam, inclusive
aquela: o otimista pode perder, mas
o pessimista já começa perdendo.
Faço as duas introduções -a do
Titanic e a do meu pessimismo-
para declarar diante da nação e do
povo que o pior nos espera. Marchamos para o segundo turno, perdemos tempo discutindo entre
Alckmin e Lula, mas, de algum ponto da noite, o monumental iceberg
já se desprendeu de sua geleira e caminha, silenciosamente, em nossa
direção. Nada vai dar certo, com este ou com aquele vencedor. E a culpa não será exatamente deles, esforçados candidatos àquilo que antigamente chamavam de curul presidencial (não estou certo, mas
acho que, embora pareça palavrão,
curul significa cadeira mesmo).
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