São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Compromisso pela Lei do Aprendiz

RAÍ OLIVEIRA e DANIELA RODRIGUEZ DE CASTRO


É fundamental falar sobre as oportunidades que um país oferece ao jovem, indo além de notícias sobre jovens "que matam" ou "que morrem"

EM MEIO à crise que afeta os indicadores de crescimento econômico dos países, aos poucos o mundo se volta à "economia real", e é na esfera real onde vivem as pessoas preocupadas com o futuro. Além de pensar no crescimento econômico, há outros temas que se tornam tão relevantes quanto o aumento do PIB: combate à pobreza, educação, melhoria da qualidade de vida... Voltando à cena nacional e internacional a discussão sobre o que, de fato, é desenvolvimento socioeconômico.
Sob esse aspecto, a discussão sobre as oportunidades que um país oferece aos seus jovens é fundamental. É na juventude que devemos pensar ao decidir sobre políticas públicas, investimentos de empresas e ações da sociedade. Há a necessidade de ir além de notícias sobre jovens "que matam" ou "que morrem" e, sobretudo, há que mostrar que é na juventude que afloram os sonhos e os talentos. Devemos zelar para que essas aspirações encontrem oportunidades de êxito.
Em 2005, os jovens de 15 a 24 anos representavam cerca de 19% da população. Aproximadamente 18% daqueles de 15 a 17 anos e 68% dos de 18 a 24 anos não estudavam. A desigualdade de oportunidades também é evidente: dos 20% mais pobres da população, quase 73% na faixa de 15 a 17 anos estavam estudando e, entre os 20% mais ricos, esse número foi de praticamente 94% (os dados são do IBGE).
É preciso tomar atitudes concretas. No tema juventude e trabalho, enquanto a taxa de desocupação da população ativa é de quase 7,4%, a taxa entre os jovens de 15 a 17 anos é de cerca de 28% e de 16% entre os que têm de 18 a 24 anos (IBGE/PME).
O país, contudo, está prestes a dar um passo importante para que mais jovens encontrem sua primeira experiência laboral, com cuidados para sua formação pessoal e profissional.
A Lei do Aprendiz, aprovada em 2000 e regulamentada em 2005, é um exemplo das poucas políticas destinadas à juventude no país -segundo estimativas do Banco Mundial, os gastos públicos com jovens representam 6% do total, mas os gastos caem a quase zero do total investido na área social ao se retirar do cálculo a verba para o ensino universitário, limitado a uma pequena parcela da população.
Essa lei determina que toda empresa de grande e médio porte deve ter de 5% a 15% de aprendizes. Os aprendizes são jovens de 14 a 24 anos que devem continuar na escola e em um curso de formação profissional.
A lei transformou em política pública algo previsto na CLT desde a década de 40 como meio para formar novos trabalhadores para a indústria -daí o nascimento do sistema de aprendizagem profissional.
Com a Lei do Aprendiz, a empresa pode contribuir para o país contratando jovens, sempre respeitando o que diz a lei e garantindo que o jovem passe parte do tempo em uma instituição formadora, continue os estudos e aprenda a prática diária da empresa. Ao mesmo tempo, para a empresa, é uma oportunidade de investir no seu capital humano e no país e exercer, da melhor forma, a responsabilidade social empresarial.
Em 2007, por meio de uma parceria técnica com o Ministério do Trabalho e Emprego, conseguimos dados inéditos sobre o potencial nacional de vagas para aprendizes e o número de aprendizes contratados atualmente.
Caso as empresas cumpram a lei, são cerca de 1,2 milhão de vagas para jovens -hoje temos 140 mil aprendizes, quase um décimo disso.
Segundo pesquisa realizada por nossa organização em parceria com pesquisadora da PUC-SP, no Brasil, só 8% das empresas com mais de 20 empregados cumprem a lei, e as empresas totalizam o cumprimento de apenas 8,6% do potencial de contratação mínima. Só na cidade de São Paulo, há potencial de 121.723 vagas, mas só 11% do potencial é cumprido (cerca de 14 mil jovens).
Os Estados com maior potencial de contratação são: Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Contudo, os Estados com a melhor relação contratação/ potencial são: Espírito Santo, Goiás e Amazonas.
Por isso, lançamos, com o Instituto Ethos e o Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), a meta de 800 mil aprendizes até 2010 e acompanhamos o seu alcance por meio do Placar do Aprendiz, que monitora, mês a mês, a evolução desse dado.
Em agosto de 2008, o Ministério do Trabalho e Emprego constituiu um grupo de trabalho para a aprendizagem que contou também com a participação da sociedade civil. Após diversas reuniões, o governo adotará oficialmente a meta na 1ª Conferência Nacional pela Aprendizagem Profissional, que começa hoje, na qual lançará diversas medidas para facilitar o cumprimento da lei.
O evento contará com a presença do presidente da República e do ministro Carlos Lupi, que anunciarão a adoção da meta e o apoio para que a lei se torne prioridade. Além disso, será lançada uma Carta de Compromisso pela Lei do Aprendiz, à qual empresas, organizações e governos poderão aderir, para que, juntos, possamos fazer com que mais jovens tenham oportunidades de mostrar e desenvolver seus talentos.
O momento mostra um avanço e tem como o maior símbolo o fato de que antigos aprendizes são hoje grandes conhecidos nossos e estão em cargos de liderança nacional, como o ministro Carlos Lupi e o próprio presidente da República. Nós, atletas, estaremos lá. Afinal, todos sempre acreditaram em nossa luta por este país. É nossa vez de mostrar à juventude que continuamos lutando.


RAÍ OLIVEIRA , 42, ex-atleta profissional, é presidente da associação Atletas pela Cidadania.
DANIELA RODRIGUEZ DE CASTRO , 34, é coordenadora-executiva da Atletas pela Cidadania
www.atletaspelacidadania.org.br
www.placardoaprendiz.org.br


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