São Paulo, sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O escritor nordestino e o mercado editorial

RINALDO DE FERNANDES


Devemos inverter a lógica atual, de um colonialismo interno profundo, que deixa o autor nordestino sempre à margem, que o faz exceção

Por que os nordestinos continuam com pouco espaço no mercado editorial brasileiro? Quem, vivendo na região de 50 milhões de habitantes, publica nacionalmente? Contam-se nos dedos os autores que publicam por grandes ou médias editoras.
Quais as razões disso? Uma tentativa de explicação:
1) As grandes e médias editoras, que distribuem o livro nacionalmente (mesmo com os tradicionais problemas de distribuição, que atingem especialmente as médias e pequenas editoras), são instituições sobretudo do Sudeste, melhor dizendo, do eixo São Paulo-Rio;
2) O escritor nordestino e o de regiões menos desenvolvidas, pela distância e pelo preconceito geográfico, só conseguem uma editora de grande ou médio porte se operarem algum tipo de articulação que faça com que a qualidade de sua obra seja, efetivamente, notada -mas ter a obra notada, no caso, quase sempre se faz por exceção, e a depender do esforço e/ou de como foi operada essa articulação;
3) Como as grandes e médias editoras dão pouco espaço para o autor que vive no Nordeste, o jornalismo cultural e/ou os resenhistas dos grandes jornais também pouco espaço dão a esse autor;
4) Em decorrência disso, a crítica universitária tende a conceber o conceito de literatura brasileira contemporânea a partir do crivo das grandes e médias editoras e dos resenhistas dos grandes jornais.
Assim, o escritor nordestino que integra a literatura brasileira é apenas aquele que recebe a etiqueta de uma grande ou média editora. Qual seria a saída? Só vejo uma: de ordem econômica, de dinâmica do capital. Ou seja, o Nordeste abrirá espaço para seus escritores na medida em que possa criar uma indústria do livro e um mercado consumidor de sua própria produção, como, ao que parece, está ocorrendo com o Rio Grande do Sul.
Há que se ter incentivos à criação de editoras e de distribuidoras eficientes na região. Há que se promover o bom livro de autor nordestino. Por outro lado, o gestor de cultura nordestino e os escritores precisam gerar uma cultura de mais autoconfiança, de mais autoestima.
Ainda importamos muita cultura e referenciais do Sudeste -como se apenas os autores e agentes culturais dessa região tivessem conteúdo confiável. E não é assim. Defendo a ideia de que devemos fazer regularmente os congressos de escritores nordestinos.
Congressos que passem a pensar, com consistência e critério, a nossa literatura e a nossa cultura a partir de nós mesmos -sem, claro, xenofobismos, sem deixar de abrir espaços para autores e agentes culturais importantes de outras regiões. Mas inverter a lógica atual, de profundo colonialismo interno, que deixa o autor nordestino sempre à margem, que o faz exceção dentro de sua própria região.

RINALDO DE FERNANDES, doutor em letras pela Unicamp e professor de literatura na Universidade Federal da Paraíba, é autor do romance "Rita no Pomar" (finalista do Prêmio São Paulo de Literatura/2009) e do livro de contos "O Professor de Piano".

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