São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2008

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O direito de aprender

MARIE-PIERRE POIRIER

Lançamos hoje os resultados de um estudo que buscou identificar boas práticas desenvolvidas por 37 redes municipais de ensino no país

EM 1940, apenas 21% dos brasileiros em idade escolar estavam na escola, segundo o IBGE. Em 1960, foi atingida a marca, ainda muito baixa, de 31% de crianças e adolescentes na escola. Em 1998, alcançamos 86% e, oito anos depois, chegamos próximos da universalização do acesso, com 98% das crianças de sete a 14 anos na escola. Como o país avançou nessa área!
No entanto, a cada passo, novos desafios se apresentam. Não podemos cruzar os braços diante das 660 mil crianças brasileiras ainda fora da escola -essa é a tradução em números absolutos dos 2% que parecem tão pouco. Não podemos também fechar os olhos para os milhões de alunos e alunas das escolas públicas submetidos à lógica perversa da repetência, da evasão e do abandono.
A quase universalização do acesso colocou na pauta a qualidade da educação. Não é suficiente apenas abrir vagas e garantir matrícula para as crianças e adolescentes. Uma vez na escola, cada um deles tem o direito de permanecer estudando, de se desenvolver, de aprender e de concluir toda a educação básica na idade certa.
Nós do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) escolhemos o "aprender" como tema central para nossa atuação no Brasil em 2008. O entendimento da aprendizagem como direito está presente na pauta das mais importantes articulações e mobilizações em torno da educação e cada vez mais direciona as políticas públicas nos três níveis de governo.
Como contribuição para esse esforço, o Unicef, a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), o Ministério da Educação e o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) lançam hoje os resultados de um estudo que buscou identificar boas práticas desenvolvidas por 37 redes municipais de ensino no país.
A publicação "Redes de Aprendizagem" dirige o foco do nosso olhar para o compromisso essencial e estratégico de todas as redes escolares deste país: garantir o direito de aprender de cada um dos seus meninos e meninas.
Localizadas em todas as regiões do país, em municípios de diferentes tamanhos, as redes públicas estudadas têm em comum tanto a inserção em contextos de vulnerabilidade social quanto os resultados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) acima da média nacional. Isso significa que, em contextos que não facilitam a aprendizagem de alunos e alunas, essas redes conseguiram resultados acima da média na aprendizagem de leitura e matemática, aliados a bons índices de aprovação.
Quais as diretrizes, quais as práticas, que tipo de atitudes inspiram e mobilizam os atores educacionais dessas redes para chegar a tais resultados? São as respostas e reflexões sobre essas questões que apresentamos na publicação.
O estudo aponta dez aspectos considerados responsáveis pela boa aprendizagem pelos atores educacionais entrevistados -gestores municipais, diretores e coordenadores, professores, funcionários, famílias, comunidade e, em especial, alunas e alunos. Destacam-se a valorização do planejamento realizado de maneira coletiva e solidária, a importância da avaliação contínua e cuidadosa e a valorização criativa da leitura como pedra fundamental do aprender. Nenhuma das práticas identificadas é por essência inédita ou inovadora. O que as fortalece é o fato de terem um objetivo comum e indispensável: a garantia do direito de aprender.
É possível ter educação de qualidade na escola pública? O estudo "Redes de Aprendizagem" mostra que sim. E aponta um conjunto de iniciativas que, implementadas de maneira articulada, participativa e mobilizadora, transformou escolas, redes e suas comunidades em espaços privilegiados e estratégicos de aprendizagens.
São essas ações que queremos disseminar, abrindo espaços para que novas e boas práticas sejam apresentadas. E que essa reflexão e mobilização se façam sempre com o olhar voltado para o direito de aprender daqueles que são os sujeitos de direito desse processo: as crianças e os adolescentes no Brasil.


MARIE-PIERRE POIRIER, 47, graduada em relações internacionais pela Sorbonne e mestre em economia pela Universidade de Paris 2, é representante do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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