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Superávit primário, o vilão
A meta de superávit primário torna-se um pesadelo sem fim e realimenta a dívida que pretende combater
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JOÃO FELÍCIO
Todos os que dependem unicamente de seu trabalho, ou aqueles
que não desfrutam apenas da riqueza
improdutiva representada pela ciranda
financeira, não podem silenciar diante
do altíssimo superávit primário perseguido e mantido pela equipe econômica, com a principal finalidade de fazer
frente aos serviços da dívida interna, cujos dividendos cabem a uma minoria de
credores extremamente ricos, calculada
em 0,04% do total de famílias do país.
Infelizmente, esse modelo vem ganhando força, impulsionado, contraditoriamente, pelo crescimento do PIB.
Segundo dados da subseção do Dieese-CUT Nacional, em 2002 o superávit
atingiu a marca de R$ 52,4 bilhões
(3,89% do PIB), que já considerávamos
excessivo. Em 2005, a estimativa é de
que o superávit tenha fechado em torno
de R$ 98,2 bilhões, ou 5,13% do PIB.
Uma diferença de quase R$ 46 bilhões a
mais.
Dinheiro suficiente para repetir pelos
próximos sete anos o que foi corretamente investido no Bolsa Família em
2005. Ou o equivalente a quase nove vezes as verbas adicionadas ao Orçamento
federal de 2006 para pagar reajustes aos
servidores. Bilhões que acabariam, de
uma só vez, com o que técnicos alegam
ser a previsão de déficit na Previdência
para este ano -déficit cujo valor não
nos convencerá jamais antes que uma
vigorosa auditoria seja feita nas contas,
mas que aqui é usado para fins de comparação, aproveitando o aspecto monstruoso que lhe deram ao longo dos anos.
É evidente que o atual governo federal
precisou recorrer a profunda austeridade, especialmente nos dois primeiros
anos, em função do escandaloso desajuste nas contas deixado pelo anterior.
Porém, a necessidade de conquistar
com rapidez a confiança dos agentes
econômicos externos e internos foi conquistada. Sacrifício ou remédio amargo
-expressões correntes no início do
mandato- que cumpriu os controversos objetivos e que precisa começar a
sair de cena.
Inclusive pelo fato de não lograr queda significativa da relação da dívida pública com o PIB. Atualmente, segundo
pesquisa do economista Marcio Pochmann, o estoque da dívida pública
-que ele batiza de direitos sobre a riqueza financeira- corresponde a 50%
do PIB. No ano de 2005, por exemplo, a
despeito do imenso esforço para atingir
R$ 98,2 bilhões de superávit primário,
as despesas com juros eram estimadas
em R$ 147 bilhões, superior às verbas de
custeio e investimento de todos os ministérios.
Combinada com as taxas básicas de
juros atualmente em vigor, a meta de
superávit primário torna-se um pesadelo sem fim. Realimenta a dívida que pretende combater e drena os recursos que
poderiam ser utilizados para o desenvolvimento econômico e social. Mas
não é só isso. Além da economia abertamente reservada para o superávit, a cupidez do mercado faz com que 20% das
receitas vinculadas aos gastos sociais estejam sendo contingenciadas para outros fins. Isso significa, também, que
parte das propostas conservadoras de
redução dos gastos sociais já está sendo
aplicada, sem que os resultados do tal
ajuste defendido apareçam. Os investimentos para a maioria da população
são duramente sacrificados, em detrimento da lógica financeira.
A mudança dessa realidade deve passar por uma renegociação soberana de
contratos e de papéis da dívida interna.
Nossa maior discordância com economistas e consultores conservadores
vem daí. Enquanto eles acreditam que a
solução é cortar ainda mais os gastos sociais e preservar o pagamento dos juros
das dívidas públicas, nós defendemos o
enfrentamento, ainda que negociado.
Para finalizar, outro comparativo: os
R$ 46 bilhões a mais de superávit, resultantes da comparação entre 2002 e 2005,
seriam suficientes para financiar o equivalente a quase duas versões do Imposto Solidariedade sobre Grandes Fortunas, proposta criada pela CUT para financiar um fundo de valorização do salário mínimo até 2012.
O imposto teria alíquota média de
1,5% e incidiria uma única vez sobre todo o patrimônio líquido de empresas e
famílias que excederem R$ 2,4 milhões.
Geraria R$ 23,8 bilhões, e os tributados
seriam, em sua maioria, os únicos interessados no enorme superávit primário
em vigor no Brasil. Seria um bom começo de conversa numa mesa de renegociação.
João Felício, 53, professor, é presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores).
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