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TENDÊNCIAS/DEBATES
NÃO
Motocicletas na berlinda
LUCAS PIMENTEL
NÃO OBSTANTE o fato de o Brasil ser o quarto produtor mundial de motocicletas, com cerca de 12 milhões de veículos de duas
rodas licenciados, o projeto de lei nº
2.650/03, aprovado na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara,
propõe, em nome da segurança, acabar com a agilidade da motocicleta.
Pergunto: que índice de ocorrência de
trânsito envolvendo motocicletas no
"corredor" foi usado para justificar
essa proposta?
Sou motociclista há 22 anos e nunca me envolvi ou presenciei um acidente de moto no "corredor", por isso
faço um alerta: se esse projeto entrar
em vigor, haverá ainda mais ocorrências de trânsito envolvendo motociclistas. (...) e quem irá pagar a conta?
Somos contrários à aprovação desse projeto justamente por questões
de segurança: é extremamente perigoso para o motociclista trafegar
atrás dos automóveis.
Primeiro, em razão da falta de visão, que é fundamental para a segurança do motociclista no trânsito. A
motocicleta tem equilíbrio dinâmico
e, por isso, está vulnerável aos buracos e sujeiras na pista. Assim, é indispensável antever qualquer situação
de perigo, mas, atrás dos automóveis,
o campo de visão não é suficiente.
Há também outra questão: uma
motocicleta circulando a 60 km/h
gasta cerca de 30 metros para efetuar
a frenagem total. Transitando atrás
dos automóveis, o motociclista não
terá um tempo de frenagem adequado. Caso o veículo à frente pare inesperadamente, certamente haverá colisão -e um terceiro veículo que estiver vindo atrás pode piorar a situação.
Outro ponto relevante é que, em razão de a motocicleta poluir mais que o
automóvel, com os constantes congestionamentos das grandes cidades,
teríamos um aumento substancial do
volume de poluentes indesejados na
atmosfera com as motocicletas transitando atrás dos automóveis.
Tampouco podemos, de maneira
nenhuma, ignorar que cerca de 3 milhões de pessoas usam a motocicleta
como ferramenta de trabalho -e, diferentemente do que pensam, em relação aos acidentes fatais, o motociclista profissional (motoboy) não é o
grande vilão do trânsito. De acordo
com dados da Secretaria dos Transportes de São Paulo, em 2006, dos
380 acidentes fatais envolvendo motociclistas na cidade, somente 23%
envolviam motoboys. Em 2008 esse
número ainda caiu para 14%.
E mais, o que farão os cerca de 5 milhões de brasileiros que adotaram a
motocicleta como veículo de transporte, substituindo carro e ônibus?
As ocorrências ou acidentes envolvendo motociclistas não ocorrem
porque eles trafegam no "corredor"
-e desafio alguém a provar o contrário. Existem, sim, vários fatores. O
inegável é que 90% das ocorrências
de trânsito são precedidas por uma ou
mais infrações do CTB.
Ou seja, infelizmente há um desrespeito generalizado da legislação de
trânsito. Destacamos dois desses desrespeitos que colocam em risco a vida
dos motociclistas: motorista que não
sinaliza com antecedência a mudança
de faixa de rolagem ou conversões
(infração do artigo 196 do CTB, pouquíssimo aplicada); motorista distraído falando ao celular (infração do artigo 252 do CTB, pouco aplicado).
Somos defensores da criação das
faixas exclusivas para motocicletas.
Mas, onde não for possível a criação
da faixa para motos, propomos a criação de um divisor de faixa diferenciado entre as faixas um e dois, a fim de
regulamentar a passagem de motocicleta por onde o motociclista passa
hoje e que se proíba a passagem de
motocicletas entre as demais faixas.
Para os que pensam que queremos
tão-somente privilegiar a passagem
das motocicletas, informamos que,
quando fomos procurados pela assessoria da Câmara Municipal de São
Paulo, fomos, por questão de segurança, contrários à liberação da faixa
de ônibus para a passagem de motocicleta, sobretudo por causa do derramamento de óleo combustível e de
motor dos ônibus, que certamente
causariam derrapagens.
A paz no trânsito é uma via de mão
dupla. Insisto: "Sobre duas rodas há
uma vida". Esse é o tema da nossa
maior campanha em defesa da vida.
Você pode não gostar da motocicleta,
mas respeite a vida do motociclista.
LUCAS PIMENTEL, 40, é presidente da Abram (Associação Brasileira de Motociclistas) e membro titular da Câmara Temática de Educação para o Trânsito e Cidadania
do Contran (Conselho Nacional de Trânsito).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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