UOL




São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

O telhado e a pedra

RIO DE JANEIRO - A crise provocada pelos chamados "radicais" do PT está me lembrando um filme em que, perdidos numa ilha grega no Mediterrâneo, soldados italianos ficam isolados da guerra e ignoram que o inimigo deles não são mais os aliados, mas os alemães. Pasmos, eles encaram os soldados ingleses que vão resgatá-los -os mais broncos chegam a ameaçar resistência.
Metaforicamente, é o que está acontecendo com a turma dos petistas radicais, que excedem aos três mais conhecidos. Pelo contrário, são muitos e com bons motivos para a frustração.
Assim como os fascistas da Itália de Mussolini demonizavam os americanos e ingleses, que então defendiam a democracia, os petistas de carteirinha aprenderam, em décadas de militância e, em alguns casos, de repressão policial e política, que os pólos não podem ser invertidos, o bem tornando-se o mal e vice-versa.
Ora, dirão os ortodoxos, as coisas mudam, a história é dinâmica, cada coisa tem a sua hora. Fazer oposição é fácil, governar é difícil. Um telhado é uma coisa, uma pedra é outra.
Não se trata de um raciocínio óbvio, quase cínico. Mas, quando estão em jogo certos valores, como a importância da causa e a coerência do método, é natural que haja radicais que clamem exatamente pelas "raízes" que motivaram a sua luta.
A palavra "radical" tem hoje sentido pejorativo. Predomina a necessidade do consenso, do toma lá, dá cá. Mas há limites entre o dar e o receber. Os radicais tornam-se incômodos porque continuam na chamada "linha dura", que é nefasta ou benéfica de acordo com os valores em causa.
Nem todos têm estômago suficientemente forte para engolir sapos. Mas a política, se não é a arte de engolir sapos, é a necessidade de engolir sapos. Sem entrar no mérito da dissidência ameaçada pelos petistas, simpatizo cordialmente com a rebeldia e considero-a indispensável em determinados casos.


Texto Anterior: Brasília - Valdo Cruz: Erros e enganos
Próximo Texto: Antônio Ermírio de Moraes - Brasil: uma matriz energética exemplar
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.