São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2004

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Cacoetes da China

SÃO PAULO - Falando a empresários ontem em Pequim, Lula definiu a China como "uma espécie de shopping de oportunidades" para os negócios brasileiros. Ao mesmo tempo, o chanceler Celso Amorim declarou que o presidente "está consciente de que hoje os direitos humanos fazem parte da Constituição chinesa". Juntas, as declarações dizem algo sobre o ser profundo (ou chinês) do governo.
A primeira delas é uma mistura de pragmatismo e vulgaridade liberais-exemplo de jargão de mercado que cai melhor na boca de um vendedor do que na de um estadista. A segunda vai além. Vale-se de um eufemismo diplomático para omitir o essencial: a inexistência de direitos humanos na China, a realidade inaceitável das execuções por rito sumário, do cerceamento às liberdades e de toda a procissão de horrores que marcam a vida política daquele país.
Na viagem que fez a Cuba no ano passado, Lula simplesmente silenciou sobre as atrocidades de Fidel Castro. Perdeu uma oportunidade histórica de fazer a defesa pública da democracia e, ao mesmo tempo, de marcar distância da estupidez da política norte-americana para a ilha.
Agora parece pior: o Brasil avaliza procedimentos de um regime sanguinário em troca do apoio a ambições na ONU e da perspectiva de business.
Da esquerda, Lula e o PT têm mostrado, dia após dia, que preservam apenas os cacoetes. Ainda fresco, o caso Larry Rohter é um exemplo quase caricato de ranço autoritário instalado no coração do governo.
Tal concepção se estende a aspectos anedóticos ou aparentemente inofensivos da administração federal. As estrelas vermelhas plantadas nos jardins do Alvorada e do Torto lembram um pouco imagens de velhas republiquetas de partido único.
O credo deste governo, porém, é outro. Enquanto sua substância é liberal e se confunde com a política do shopping center, sua simbologia rende homenagens aos cadáveres da velha esquerda -a mesma que o PT combatia quando surgiu na política.


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