São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2010

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MARCOS NOBRE

Errar é do jogo

O Irã vai continuar desenvolvendo a bomba. Só uma revolução democrática poderia impedir o complexo militar-religioso iraniano de levar esse projeto até o fim. E uma revolução como essa, no momento, não está à vista.
Quando o Irã fizer seus primeiros testes nucleares, Lula há muito terá deixado a Presidência. O clima por aqui será de festa, com a sequência de Copa do Mundo e Olimpíada.
Mas a foto da patética comemoração do acordo, de mãos dadas e braços erguidos, será então relembrada por toda parte. E não é assim que se faz uma boa diplomacia independente.
É verdade que, no caso do Irã, aplicar sanções não vai resolver nada. Mas serve pelo menos para manter o problema em evidência, com a pressão de uma opinião pública que pode dar força à oposição democrática iraniana.
É o máximo que se pode fazer. Porque a própria conversa das sanções é jogo para a plateia. O governo Obama está acuado internamente a produzir sanções duras. E tem de tentar segurar seu aliado israelense, cujo atual governo é composto de reacionários insensatos que realmente querem bombardear o Irã.
Já China e Rússia fazem firula e dizem que são contra.
Depois aparentam ceder e acabam apoiando sanções inócuas, que não prejudicam em nada seus negócios e interesses. E tudo fica como dantes.
Por que então o Brasil foi escolher justamente o imbróglio mais enrolado do mundo para entrar? É que ter ou não a bomba é senha de entrada no Conselho de Segurança da ONU. A diplomacia brasileira quis mostrar que também países sem a bomba merecem uma cadeira permanente no conselho.
O episódio do Irã mostra que os objetivos de 15 anos da diplomacia brasileira precisam ser revistos e repensados.
Concentrar esforços na briga por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e por um bom acordo global de comércio na OMC podia fazer sentido na década de 1990, quando se tinha ainda a ilusão de que uma grande reforma da ONU seria possível.
Manter essa ilusão hoje pode custar caro.
Mas nem mesmo isso é o essencial no caso do acordo com o Irã. O Brasil ter se comportado como laranja nessa história não invalida o fato de que tem mesmo de testar o seu tamanho para achar sua nova posição internacional. Tem de arriscar.
Porque o tamanho do país mudou. E errar é do jogo. Só deixa de ser do jogo se vira uma questão meramente eleitoral. Ou se o erro se repete.
Com essa tentativa, o Brasil errou, mas disse a que veio, mostrou sua cara. Só um novo erro de mesmas proporções poderia ser realmente fatal para as pretensões brasileiras no cenário internacional.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.

nobre.a2@uol.com.br


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